Vizinhos que não se entendem, Índia e Paquistão iniciaram na quarta-feira passada (7) um novo conflito, que aparentemente foi pausado, mas cujos desdobramentos ainda são difíceis de prever.
Embora essas hostilidades tenham particularidades em relação a confrontos anteriores entre os dois países, as questões históricas que tornaram indianos e paquistaneses rivais geopolíticos seguem se manifestando na atual disputa. Confira abaixo os pontos fundamentais para entender o conflito:
Origens
Quando a chamada Índia Britânica obteve a independência do Reino Unido, em 1947, a região foi dividida em dois países: a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana.
Para evitar tensões étnicas, populações muçulmanas que moravam na região que se tornaria a Índia foram deslocadas para o Paquistão, e hindus e siques tomaram o sentido contrário.
Houve tumultos e confrontos que resultaram na morte de até 2 milhões de pessoas, segundo estimativas; outras 20 milhões foram deslocadas.
Ao longo das décadas, a rivalidade se manteve, em grande parte pela disputa pela região da Caxemira e por acusações relacionadas de apoio ao terrorismo.
Desde 1947, ocorreram quatro guerras entre Índia e Paquistão (1947–1948, 1965, 1971, esta relacionada à guerra da independência de Bangladesh, e 1999) e conflitos menores.
Por que as hostilidades foram retomadas agora?
Na madrugada de quarta-feira (horário local), a Índia bombardeou alvos no Paquistão que descreveu como sendo “infraestruturas terroristas”, em resposta a um atentado que matou 26 pessoas em 22 de abril na parte indiana da Caxemira.
A Frente de Resistência (TRF, na sigla em inglês), um grupo terrorista que se opõe à presença indiana na Caxemira, reivindicou a responsabilidade pelo atentado, mas depois voltou atrás.
Embora Nova Délhi tenha afirmado que não atingiu nenhum alvo civil, econômico ou militar paquistanês, Islamabad alegou que instalações civis, incluindo mesquitas e usinas hidrelétricas, foram bombardeadas.
O governo do Paquistão considerou o ataque da Índia um “ato de guerra” e no sábado (10) iniciou uma operação militar de retaliação.
No mesmo dia, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que intermediou um cessar-fogo entre os dois países, mas horas depois a Índia acusou o Paquistão de violar o acordo. Islamabad fez a mesma acusação contra Nova Délhi.
Entretanto, desde essas acusações, aparentemente as hostilidades realmente cessaram.
Por que o mundo (ainda) deve se preocupar?
Governos de todo o mundo sempre têm receio de uma escalada quando esses dois países se desentendem, principalmente porque ambos têm armas nucleares – a Índia, desde 1974, e o Paquistão, desde 1998.
Segundo dados da ONG americana Centro para Controle de Armas e Não Proliferação, a Índia possui 164 ogivas nucleares, e o Paquistão, 170.
Os dois lados também têm armas, caças e drones modernos fornecidos por grandes potências militares.
Informações do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, publicadas pelo jornal The New York Times, mostraram que, das compras de armamentos que a Índia fez desde 2020, os principais vendedores foram Rússia (36%), França (33%), Israel (13%) e Estados Unidos (10%).
No Paquistão, a China foi o principal fornecedor (81%), com a Holanda num distante segundo lugar (6%).
Para alguns analistas, além desse arsenal mais mortífero, uma preocupação é que a retórica dos atuais governos da Índia e do Paquistão ressalta uma postura de confronto.
Em artigo para o site da revista americana The Atlantic, publicado antes do anúncio do cessar-fogo, o jornalista indiano Vaibhav Vats afirmou que o conflito atual foi o de escalada mais rápida desde que os rivais se tornaram potências nucleares, e isso decorreu do fato de que “os regimes dos dois países nunca foram tão semelhantes”.
“No passado, o compromisso da Índia com o secularismo e a democracia contrastava fortemente com a orientação religiosa e a ditadura militar do Paquistão. Agora, apesar da hostilidade declarada, os dois governos se tornaram imagens espelhadas um do outro — definidos pela repressão à democracia e por fronteiras conflituosas, e estimulados por noções de supremacia religiosa. Ambos alimentam as queixas e o extremismo um do outro”, argumentou.
Em artigo para o jornal Eurasia Review, publicado após o início da trégua, K.M. Seethi, diretor do Centro Interuniversitário de Pesquisa e Extensão em Ciências Sociais da Universidade Mahatma Gandhi, da Índia, afirmou que o cessar-fogo acordado no sábado “é um passo necessário, mas insuficiente, em direção à paz real”, já que “não nasceu da boa vontade, mas da coação”.
“A resposta estratégica da Índia e a fragilidade interna do Paquistão convergiram para interromper os combates. O desafio agora é converter essa pausa tática em um avanço estratégico”, analisou Seethi.
“O Paquistão deve se comprometer a pôr fim ao seu apoio ao terrorismo. A Índia deve equilibrar força com diplomacia. E a comunidade internacional deve permanecer engajada, não apenas para prevenir conflitos, mas também para fomentar um caminho duradouro para a paz”, afirmou.