Durante a campanha presidencial do ano passado, Donald Trump disse que acabaria com a guerra na Ucrânia antes de tomar posse, caso vencesse a democrata Kamala Harris em novembro. Após a vitória nas urnas, afirmou que daria fim ao conflito no seu primeiro dia no cargo (20 de janeiro).
Mais de quatro meses depois de voltar à Casa Branca, Trump observa o conflito escalar. Na semana passada, a Rússia realizou os maiores ataques com drones e mísseis à Ucrânia desde o início da guerra, matando ao menos 12 pessoas.
Trump disse que o ditador russo, Vladimir Putin, ficou “louco”, e deu um prazo de duas semanas para o Kremlin mostrar que está disposto a um acordo de cessar-fogo.
No último fim de semana, num ataque que não foi comunicado com antecedência à Casa Branca, a Ucrânia aumentou ainda mais a temperatura do conflito.
Numa ofensiva com 117 drones, atingiu 41 caças russos em quatro bases militares, que, segundo o serviço de segurança SBU, representavam 34% dos porta-mísseis de cruzeiro estratégicos da Rússia.
Trump, que já vinha sendo cobrado por não ter cumprido a promessa de acabar com a guerra até janeiro (em abril, ele admitiu que assumir tal compromisso foi um “exagero” seu e alegou que havia falado no sentido “figurado”), fica ainda mais na berlinda com essa escalada, porque suas iniciativas para encerrar o conflito até agora não tiveram qualquer efeito.
Em março, quando Trump obteve o compromisso de que Rússia e Ucrânia cessariam os ataques à infraestrutura de energia um do outro durante 30 dias, Kiev denunciou que os bombardeios russos a essas instalações continuaram.
Conversas indiretas entre russos e ucranianos, mediadas pelos Estados Unidos, até agora não levaram a um cessar-fogo, assim como as negociações diretas entre Moscou e Kiev em Istambul.
Para constranger ainda mais Trump, aliados americanos estão preferindo ajudar a Ucrânia na guerra, ao invés de buscar um cessar-fogo – certamente, por não confiarem no discurso de Putin de que quer paz.
Na semana passada, o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, afirmou que os aliados da Ucrânia retiraram as restrições a Kiev para utilizar armas de longo alcance na guerra contra a Rússia.
Também anunciou um acordo para que Berlim ajude a financiar a produção de armas de longo alcance em solo ucraniano.
Nesse cenário, os americanos vêm oscilando entre abandonar as negociações de vez ou aumentar a pressão sobre a Rússia.
Em abril, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, disse que os Estados Unidos cogitavam deixar a mediação se progressos para a paz não fossem alcançados em breve.
Agora, ecoando a ameaça de Trump de tomar medidas contra a Rússia, os senadores americanos buscam aprovar um novo pacote de sanções contra Moscou nos próximos dias.
“Será que Trump deixará o projeto de lei de sanções – que tem 82 assinaturas a favor – passar no Senado? Ele poderia telefonar para Putin, apontar a mais recente conquista militar da Ucrânia como mais um motivo para aceitar a solução de Trump de um acordo de cessar-fogo e observar que a pressão política em Washington para tomar mais medidas contra a Rússia está crescendo”, afirmou em artigo John E. Herbst, diretor sênior do Centro Eurásia do think tank americano Atlantic Council, que foi embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia entre 2003 e 2006.
Seth Jones, presidente do departamento de defesa e segurança do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), disse em entrevista à NPR que os Estados Unidos por ora têm sido “relativamente fracos” nas negociações, mas alertou que, se a Casa Branca deixar as conversas, conforme sugerido por Rubio em abril, “a balança de poder na guerra penderia fundamentalmente para o lado russo”.
“A preferência russa é que a guerra termine no campo de batalha com uma vitória russa, em vez de ter que recorrer a qualquer tipo de negociação de paz séria, onde eles podem ter que abrir mão de alguns dos seus objetivos”, afirmou Jones.
Para especialista, posturas “irreconciliáveis” podem afastar Trump
O coronel da reserva e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, colunista da Gazeta do Povo, afirmou que o ataque ucraniano do fim de semana foi “uma ação espetacular e ousada, que certamente exigiu um planejamento muito minucioso e uma execução muito cuidadosa”, um plano que, como admitido por autoridades ucranianas, levou mais de um ano e meio para ser concretizado.
“Por essa razão, não me parece que a operação tenha tido como objetivo principal auferir vantagens na negociação. Pode ser que até venha a contribuir nesse sentido, mas seu principal objetivo foi no campo militar, ao eliminar bombardeiros estratégicos que são rotineiramente utilizados para o lançamento de bombas e mísseis contra o território ucraniano”, disse Gomes Filho.
Exatamente devido à complexidade dessa operação, o especialista não acredita que esse tipo de ataque por parte da Ucrânia se tornará mais comum. “Entretanto, com a postura dos aliados ocidentais de reiterar a autorização do uso de seus mísseis em profundidade contra o território russo, talvez venhamos a ter notícias de alvos estratégicos russos atingidos por tais mísseis”, ponderou.
Para Gomes Filho, com a possiblidade de um cessar-fogo ainda distante, é grande a chance de que em breve haja uma retirada dos Estados Unidos das negociações.
“Sou cético em relação a um acordo entre russos e ucranianos em curto prazo. As posições dos dois países permanecem irreconciliáveis. Creio que há uma grande possibilidade de o presidente Trump abandonar a questão, culpando os dois presidentes pela falta de acordo”, projetou.