Regulação de redes via STF deixa ministros mais perto de sanções

A regulamentação das redes sociais que se desenha no Supremo Tribunal Federal (STF) poderá dar mais um motivo para os Estados Unidos aplicarem sanções individuais aos ministros, que incluem cassação de vistos, restrições financeiras e de acesso a serviços. Essa é a avaliação de analistas que acompanham a retomada, nesta quarta-feira (4), do julgamento que poderá acabar com o artigo 19 do Marco Civil da Internet.

O dispositivo visa assegurar a liberdade de expressão nas redes, prevendo que as plataformas digitais só sejam responsabilizadas pelo conteúdo publicado por seus usuários se descumprirem uma ordem judicial que ateste a ilicitude daquela postagem específica e determine sua remoção da internet.

No STF, a tendência é de obrigar as plataformas, sob pena de duras multas, a remover, de imediato, conteúdo que se assemelhe a casos em uma lista prévia de conteúdos que possam caracterizar diversos crimes. Assim, o julgamento para averiguar se determinada postagem configura um delito não caberia mais à Justiça, mas às próprias empresas de tecnologia. Para reduzir o risco de serem punidas, muitas já anunciaram que vão remover conteúdo em massa relacionado a algum assunto que possa levantar queixas e acusações criminais.

Daí o risco à liberdade de expressão dos cidadãos, por censura das próprias redes.

Entre os conteúdos a serem vetados pelo STF estão aqueles que possam caracterizar crimes contra o Estado Democrático de Direito, e ainda divulgação de “fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” que supostamente ameacem minorias ou que causem danos ao “equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral”.

A amplitude desses termos e a facilidade com que possam abarcar conteúdos legítimos levou o presidente do Google no Brasil, Fabio Coelho, a afirmar, em entrevista ao UOL, que o jornalismo investigativo e o humor sobre políticos serão censurados. “Qualquer matéria de jornalismo investigativo poderia ser removida, porque algumas pessoas argumentariam que a denúncia não está comprovada e que se sentem caluniadas”, disse o executivo. Quanto ao humor, “as plataformas vão ficar com medo de aquele humor ser interpretado como verdade”, daí a retirada para evitar problemas.

Segundo ele, as plataformas “vão ter que preventivamente remover qualquer conteúdo que seja potencialmente questionável para evitar uma responsabilização ou um passivo financeiro”.

“A gente vai ter que priorizar a proteção das próprias plataformas em detrimento da liberdade de expressão”, resumiu Fabio Coelho.

O impacto sobre as empresas de tecnologia – atualmente, um setor estratégico e prestigiado para o atual governo dos EUA – pode ser um fator a mais a motivar a aplicação de sanções aos ministros. O ministro Alexandre de Moraes e possivelmente vários de seus colegas no STF estão na mira da administração do presidente Donald Trump por decisões que impuseram censura a brasileiros que residem ou têm cidadania nos EUA e também por afetar as operações de empresas lá sediadas.

Numa carta enviada em fevereiro a Moraes, o Departamento de Justiça advertiu o ministro sobre o alcance de suas decisões, que não poderiam ter sido impostas em solo americano sem antes passar pelo crivo do Judiciário americano.

Advogado vê chance maior de sanções dos EUA sobre ministros

Para André Marsiglia, advogado especializado em liberdade de expressão e imprensa, a marcação do julgamento do Marco Civil da Internet logo após a revelação dessa carta tende a ser vista pelo governo americano como provocação.

“Essa provocação é entendida como um não recuo. E a ausência de recuo, sem dúvida, vai escalar para as sanções até maiores. Eu vejo essa carta ao Moraes como o primeiro capítulo de uma novela. E imagino até que, a depender do caminho que tomar a regulação durante o julgamento, a gente possa ter notícia de alguma sanção um pouco mais concreta”, disse o advogado.

O interesse do governo Trump em proteger as empresas de tecnologia americanas contra iniciativas fora dos EUA que as obriguem a praticar censura dentro do território americano já foi externada por diversas autoridades da atual administração.

“As plataformas, inclusive, são um guarda-chuva imenso de negócios que interessam aos Estados Unidos e que, sem liberdade de expressão, não são viáveis nem possíveis. E o Brasil está no coração da América Latina. Sendo um ‘case’ de censura, pode estimular outros países a também seguirem essa linha”, analisa Marsiglia.

Para ele, há a percepção, por parte do governo Trump, que a regulação via STF será tão censória como foram as decisões de Moraes que motivaram a possibilidade de sanções ao ministro pela Lei Magnitsky, que pune violadores de direitos humanos.

“Essa preocupação me parece ser central dos Estados Unidos em relação à liberdade de expressão, tendo por eixo a regulação das redes sociais que, ao que tudo indica, sendo feita por uma Corte que está agindo de forma censória em relação a plataformas e cidadãos norte-americanos, também muito provavelmente essa regulação – assim deve sentir se o governo norte-americano – também terá o mesmo teor censório.”

Sanções podem escalar para o campo comercial, diz advogado

Alexsander Coelho, advogado especializado em Direito Digital e Proteção de Dados e sócio do Godke Advogados, considera que o eventual fim do artigo 19 do Marco Civil da Internet será um “divisor de águas, não apenas no plano interno, mas também no cenário internacional”.

“Do ponto de vista da diplomacia digital, um movimento como esse seria percebido nos EUA como hostilidade regulatória contra o modelo de liberdade que sustenta o ecossistema das Big Techs. E, no atual contexto da administração de Donald Trump — que vê as plataformas digitais como ativos estratégicos nacionais, essenciais à soberania econômica e à livre iniciativa — qualquer sinal de sufocamento regulatório vindo do Brasil poderia sim agravar a avaliação do país como parceiro confiável na economia digital”, diz o advogado.

Ele também destaca a carta do Departamento de Justiça para Moraes como sinal da preocupação dos EUA com o ambiente digital criado no Brasil. “A jurisprudência brasileira tem caminhado para uma lógica de responsabilização prévia com ordens judiciais cada vez mais amplas e, por vezes, desproporcionais, o que pode ser interpretado por Washington como interferência jurisdicional indevida, especialmente quando envolve contas e conteúdos de cidadãos ou empresas com domicílio ou sede nos EUA”, explica o advogado.

Além de sanções individuais, ele antevê até mesmo restrições comerciais, “especialmente se ficar configurada a tentativa de cercear vozes americanas ou bloquear negócios com empresas dos EUA em solo brasileiro”.

“Embora improvável num primeiro momento, uma escalada autoritária sustentada poderia fazer o Brasil sofrer revisões de status como parceiro comercial preferencial em acordos bilaterais, especialmente os que envolvem tecnologia, defesa cibernética e propriedade intelectual — áreas onde a confiança institucional é essencial”, diz Coelho.

“Por fim, em um cenário extremo, o Congresso americano poderia pressionar Big Techs sediadas nos EUA a desacelerar investimentos ou revisar suas operações no Brasil, sob o argumento de que o ambiente regulatório se tornou imprevisível e repressivo”, completa.

“A proteção à liberdade de expressão está inscrita na Primeira Emenda da Constituição americana, e qualquer governo com inclinação conservadora tenderá a defender esse princípio como cláusula pétrea, inclusive no cenário internacional. O Brasil pode estar flertando perigosamente com a quebra de confiança de um de seus parceiros mais relevantes no setor digital, o que pode custar caro em termos de reputação, investimentos e até estabilidade institucional”, conclui Coelho.

Nesta terça (3), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que a ditadura chinesa deve enviar ao Brasil um “especialista” para conversar sobre a “regulação das redes”.

Há analistas que criticam e veem com ressalvas possibilidade de sanções

Há também especialistas em direito digital que criticam e são mais cautelosos em relação à possibilidade de sanções contra os ministros, por parte dos EUA, se a regulação das redes se concretizar por decisão do STF – o Congresso rejeita extinguir o artigo 19 do Marco Civil da Internet, aprovado pelo próprio Legislativo em 2014.

O advogado Marco Sabino, sócio de Mannrich Vasconcelos e professor de processo civil no IBMEC, diz que penalizar um juiz da Suprema Corte de um país por uma decisão “é realmente afrontar a soberania do país, então isso é extremamente grave”.

“As notícias dão conta de um alinhamento entre as plataformas e o presidente Donald Trump. Mas especificamente, eu acho que o julgamento do Marco Civil da Internet vai muito além disso. As questões que estão sendo discutidas aqui são mais relacionadas a conteúdos políticos de desinformação, em que pese todos os esforços realizados pelas plataformas de moderação de conteúdo e remoção de anúncios fraudulentos ou desinformativos”, completa o advogado.

Caio Miachon Tenorio, advogado e sócio no escritório Lee, Brock & Camargo Advogados, mestre e doutorando em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, lembra que o julgamento ainda está em curso e que ajustes deverão ser discutidos até a decisão final. “Qualquer prognóstico definitivo é, neste momento, prematuro”, diz ele.

De qualquer modo, caso se confirme o fim do artigo 19 do Marco Civil da Internet, as mudanças “podem suscitar interpretações diversas quanto ao alinhamento do Brasil com os princípios que orientam a regulação da liberdade de expressão em ambientes digitais, especialmente em países com tradição constitucional distinta, como os Estados Unidos”.

“Ressalta-se, contudo, que qualquer análise sobre implicações diplomáticas ou comerciais deve ser feita com cautela e responsabilidade, sobretudo quando envolvem temas sensíveis como liberdade de expressão e operação de empresas internacionais”, pondera o advogado.

“O essencial é aguardar o desfecho do julgamento e acompanhar o debate de maneira serena, institucional e respeitosa das competências de cada Poder, reconhecendo que o tema exige equilíbrio entre direitos fundamentais e segurança jurídica no ambiente digital”, conclui Caio Tenorio.

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