O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a prisão preventiva da deputada Carla Zambelli (PL-SP), nesta quarta-feira (4), após ela anunciar que havia deixado o Brasil e que pretendia seguir atuando contra decisões da Corte.
A decisão também bloqueou suas redes sociais e as de familiares, suspendeu seus vencimentos, ordenou o sequestro de seus bens e impôs multa diária de até R$ 100 mil às plataformas que descumprirem as ordens de censura.
A parlamentar havia sido condenada a dez anos de prisão por invasão de sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas a condenação ainda não transitou em julgado, porque recursos seguem pendentes. Juristas apontam que a prisão preventiva viola a presunção de inocência, impõe censura prévia, atinge terceiros sem processo e estabelece um precedente de grave risco à independência do Congresso Nacional.
A decisão de Moraes foi tomada antes que houvesse trânsito em julgado da condenação da deputada. Como a própria decisão reconhece, ainda estão pendentes embargos de declaração apresentados pela defesa, o que impede que a condenação seja considerada definitiva.
A consultora jurídica Katia Magalhães destaca que “parlamentares só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável”. “Como o hackeamento atribuído à deputada teria sido praticado anos atrás, não há que se falar em flagrante, razão pela qual o decreto prisional é inconstitucional”, diz.
Além disso, ressalta ela, uma jurisprudência do próprio STF prevê que a pena só pode começar a ser cumprida após o julgamento final de todos os recursos cabíveis. “Zambelli não poderia ser alvo de uma ordem de prisão na pendência do exame de um recurso, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência”, afirma.
Segundo ela, o Código de Processo Penal trata a prisão preventiva como “medida excepcionalíssima”, exclusiva para os casos em que a liberdade do réu gerar riscos à segurança pública ou puder comprometer as provas do processo. “Como todas as evidências já foram produzidas e até apreciadas, e como a liberdade de Zambelli não implica qualquer perigo concreto à ordem social, o decreto prisional configura novo arbítrio”, diz.
A decisão também ordena o bloqueio dos perfis da parlamentar nas redes sociais, assim como de sua mãe, Rita Zambelli, e de seu filho, João Zambelli, e estabelece multa de R$ 50 mil por publicações que repitam as condutas reputadas como criminosas. As ordens valem inclusive para conteúdos publicados por terceiros. Juristas destacam que a medida configura censura prévia, proibida pela Constituição.
“Nenhum juiz pode se arrogar a suspender perfis, pois a medida configura censura prévia inconstitucional, impeditiva de manifestações futuras por parte da parlamentar”, diz Katia Magalhães.
“Bloqueio de perfis é inconstitucional, pois se pune ilícito suposto, futuro e ainda inexistente: censura prévia, portanto”, afirmou o jurista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, via X. “Um terceiro está sendo censurado pela decisão, em violação ao art. 5º, incisos LIV e XLV da CF [Constituição Federal], que dizem que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado e que a liberdade de ninguém será privada sem devido processo legal”, complementou.
Os juristas também apontam contradições lógicas na decisão. Moraes determina o bloqueio dos perfis de Zambelli, mas ao mesmo tempo impõe multa se ela postar neles.
“Se as redes da parlamentar serão suspensas, como ela poderá ser punida por postagem em seus perfis?”, questionou Marsiglia. “E fica a dúvida: mesmo após a carta dos EUA a Moraes, se Zambelli abrir uma conta fora do Brasil, e de lá postar, Moraes punirá empresas estrangeiras, violando as leis desses países?”, acrescentou.
Juristas apontam que Congresso sai rebaixado com decisão de Moraes contra Zambelli
O fato de Moraes ter ordenado a prisão sem comunicar previamente o presidente da Câmara dos Deputados, como determina o artigo 53 da Constituição, também foi criticado por juristas. A Constituição prevê que a Casa Legislativa deve ser informada em até 24 horas para decidir sobre a prisão de um parlamentar.
“No lugar de Moraes comunicar o presidente da Câmara, cumprindo o art. 53 § 2º, e facultando ao Congresso votar a confirmação da prisão da parlamentar, o referido artigo constitucional foi ignorado”, disse Marsiglia via X.
“O preocupante, para mim, é que está aberto o precedente: qualquer parlamentar pode ter a prisão preventiva decretada por Moraes”, afirmou via X o jurista e historiador Enio Viterbo. “Moraes não cita um artigo do Código Penal, do Código de Processo Penal ou da Constituição para basear sua decisão”, acrescentou.
A decisão também determina o bloqueio dos salários da deputada, o que Katia Magalhães também classifica como ilegal. “Arbitrário o bloqueio dos vencimentos de Zambelli, pois sua remuneração possui natureza alimentar, sendo, por isso, impenhorável.”
Ela também critica o sequestro de bens sem relação com o suposto crime. “Na mesma toada de irregularidades, está o bloqueio de bens, ativos e contas bancárias, já que, à toda evidência, os valores não foram obtidos por via ilícita”, diz.
“Como já de hábito em nosso Judiciário autoritário, um magistrado cria para plataformas uma obrigação inconstitucional e ilegal, e ainda amordaça uma figura pública levada ao Congresso pelo voto popular exatamente para a finalidade de ‘parlar’, ou seja, de manifestar suas opiniões”, conclui a jurista.
Pelas redes sociais, parlamentares se manifestaram sobre a decisão de Moraes contra Zambelli. “É um show de horrores”, afirmou Gustavo Gayer (PL-GO). “O Moraes pode odiar o tanto que for, mas ela ainda é uma deputada federal. A mulher que recebeu mais votos do Brasil nas últimas eleições. E, mesmo assim, ele decreta a prisão preventiva sem haver um crime inafiançável, um flagrante de crime inafiançável”, acrescentou.
“Você não precisa gostar dela para admitir que isso é um ato ilegal”, disse o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). “O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem o dever constitucional de submeter a decisão ao Plenário. Não se trata de proteger uma pessoa, mas de defender o Estado de Direito diante de mais uma grave violação das garantias constitucionais.”