Em pouco mais de duas horas de interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) rebateu todas as principais acusações feitas contra ele, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no processo da suposta tentativa de golpe.
Na audiência, Bolsonaro justificou suas dúvidas sobre as urnas eletrônicas, narrou o que ocorreu nas reuniões com comandantes das Forças Armadas após sua derrota na eleição de 2022 e explicou como descartou medidas para rever o resultado.
Diante do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, o ex-presidente também defendeu seu governo, pediu desculpas por acusações sem provas que fez contra integrantes do STF e criticou apoiadores que clamam por intervenção militar.
Veja, ponto a ponto, por tema, as principais declarações de Bolsonaro no STF:
Reuniões com comandantes das Forças Armadas
A PGR acusou Bolsonaro de consultar os ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior, e da Marinha, Almir Garnier Santos, sobre a possibilidade de decretar uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para rever o resultado da eleição e prender autoridades.
No STF, Bolsonaro admitiu que discutiu com os chefes militares alternativas “constitucionais” depois que o TSE rejeitou, com multa de R$ 22 milhões, uma ação do Partido Liberal (PL) para rever o resultado do segundo turno. Ressaltou, no entanto, que descartou, logo de início, a adoção de uma medida do tipo.
“O que existiu na prática foi: como nós fomos impedidos de recorrer ao TSE com preocupação de uma penalidade mais alta do que ocorrida, em 23 de novembro, buscamos alguma alternativa na Constituição e achamos que não procedia e foi encerrado”, contou Bolsonaro no interrogatório, acrescentando que, apesar disso, as “ilações corriam soltas”.
Uma das reuniões mais importantes com essa pauta, destacada na denúncia, com o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, Freire Gomes e Almir Garnier, ocorreu na biblioteca do Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022.
“As conversas eram bastante informais, não era nada proposto, ‘vamos decidir’. Era conversa informal para ver se existia alguma hipótese de um dispositivo constitucional para a gente atingir o objetivo que não foi atingido no TSE. Isso foi descartado na segunda reunião”, afirmou Bolsonaro a Alexandre de Moraes.
Ele buscou reforçar que as possibilidades discutidas estavam dentro da Constituição.
“Nós estudamos possibilidades outras dentro da Constituição. Ou seja, jamais saindo das quatro linhas. Como o próprio comandante Paulo Sérgio falou, tinha que ter muito cuidado na questão jurídica, porque não podíamos fazer nada fora disso. Obviamente, a gente sabia disso e em poucas reuniões abandonamos qualquer possibilidade de uma ação constitucional e abandonamos e enfrentamos aí o ocaso [fim] do nosso governo.”
Bolsonaro contextualizou que nas reuniões era discutida a ameaça de paralisação dos caminhoneiros após o segundo turno, bem como os acampamentos montados em frente a quartéis do Exército que pediam uma intervenção militar.
O ex-presidente disse, no entanto, que logo concluíram que não havia apoio suficiente para tomar alguma medida de revisão das eleições. “Não tinha clima, não tinha base minimamente sólida para fazer coisa”, disse.
Em outro momento, Bolsonaro rechaçou de forma mais enfática ter iniciado qualquer conversa sobre golpe, acrescentando que seria algo “danoso” para o país.
“Só tenho uma coisa a afirmar a vossa excelência: da minha parte, por parte de comandantes militares ou outros que estavam do meu lado, nunca se falou em golpe! Golpe é uma coisa abominável. O golpe até seria fácil começar, o ‘after day’ [dia seguinte] que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessa e não foi sequer cogitado essa hipótese de golpe no meu governo”, disse Bolsonaro a Alexandre de Moraes.
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Minuta para intervenção no TSE
Questionado por Moraes se, na reunião, alterou uma minuta de decreto para rever as eleições e prender autoridades, Bolsonaro negou. Com base na delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, a PGR acusa o ex-presidente de ler o documento e enxugá-lo, para manter apenas a previsão de prisão do próprio ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE. Bolsonaro respondeu que não conhece esse documento.
“Eu queria ter acesso a essa minuta”, disse a Moraes, que respondeu que a minuta “está nos autos”. “Mas não tem um cabeçalho e nem um fecho, deve ter os considerandos ali apenas”, respondeu Bolsonaro, fazendo referência à parte inicial de um ato normativo com as justificativas da medida. “Isso foi colocado numa tela de televisão e colocado de maneira rápida ali, mas a discussão sobre esse assunto já começou sem força, de modo que nada foi à frente”, afirmou.
Acrescentou depois que “a ideia que alguns levantavam seria um estado de sítio”. Explicou então que teria de haver um fato e convocação dos conselhos da defesa e da República, formados por autoridades militares e civis, “coisa que não foi feita”.
“Vamos supor que tivesse sido convocado. O presidente encaminharia mensagem para o Congresso pedindo autorização para assinar um decreto. Então não existia a possibilidade de que era o presidente assinar o decreto, porque um comandante de força não queria, outro queria, não existia isso daí…”, afirmou.
No interrogatório, Moraes ainda perguntou a Bolsonaro sobre a apresentação, num telão, de um trecho inicial da minuta, onde estariam, segundo a PGR, as justificativas (“considerandos”) para um estado de defesa ou sítio sobre o TSE.
“Foi passado na tela os considerandos de forma bastante rápida ali. Não havia de nossa parte uma gana de procurar, mesmo sendo… Vamos supor que viéssemos a encontrar, remotamente, algo na Constituição, não existia essa vontade. O sentimento de todo mundo era que não tínhamos mais nada o que fazer. Se tivesse que ser feito alguma coisa, era lá atrás, via Congresso Nacional, não foi feito, então tínhamos que entubar o resultado das eleições”, disse.
8 de janeiro
Bolsonaro também rechaçou a tese, exposta na denúncia e já consolidada no STF em centenas de condenações de manifestantes, de que a invasão e depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF foi uma tentativa frustrada de golpe.
“Fico até arrepiado quando falam que 8 de janeiro foi um golpe. Aquelas mil e quinhentas pessoas, pobres coitados […] Cem ônibus chegaram na região do Setor Militar Urbano na madrugada de domingo, e esse pessoal foi embora logo depois da baderna. E sobrou para quem estava acampado aqui. E quem realmente fez foi embora. Agora, aquilo não é golpe. Não foi encontrada arma de fogo com aquelas pessoas”, disse.
O ex-presidente ressaltou, em vários momentos, que logo após a derrota, buscou desmobilizar caminhoneiros que ameaçavam paralisar as rodovias. “Se eu almejasse um caos no Brasil, era só ficar quieto”, afirmou. Disse também que fez uma transmissão ao vivo em 30 de dezembro de 2022 desestimulando qualquer revolta popular.
Chamou de “malucos” manifestantes que pediam um novo AI-5 ou uma intervenção militar. “Tem os malucos que ficam com essa ideia de AI-5, de intervenção militar das Forças Armadas… Que os chefes das Forças Armadas jamais iam embarcar nessa só porque o pessoal estava pedindo ali”, afirmou o ex-presidente.
“Alguns poucos falavam até em AI-5. Quantas vezes eu orientava o pessoal que chegava, em movimentos nossos pelo Brasil, eu chegava para quem estava com a placa do AI-5. Questionava: ‘O que é AI-5?’. Eles nem sabiam o que era isso. Intervenção militar, isso não existe. É pedir pro senhor praticar o suicídio, isso não existe. Deixa o pessoal desabafar”, disse Bolsonaro em outro momento do interrogatório.
Defesa do voto impresso nas urnas eletrônicas
Na parte inicial de seu depoimento, Bolsonaro justificou e defendeu a legitimidade de sua defesa do voto impresso nas urnas eletrônicas. Lembrou que defendia a mudança desde 2012, como deputado, o que conseguiu em 2015 num projeto de lei. A proposta foi vetada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), mas o veto foi derrubado pelo Congresso. O STF, no entanto, declarou o voto impresso inconstitucional.
Em 2021, Bolsonaro mobilizou sua base no Congresso para aprovar uma proposta de emenda à Constituição. No STF, ele destacou que o então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, atuou junto a líderes partidários para que a PEC fosse rejeitada. Na votação em plenário, não foi obtida maioria suficiente para aprovar a mudança.
“Como dizem os peritos: todo sistema comunicacional possui vulnerabilidades. A intenção minha não é desacreditar, sempre foi alertar para aprimorar. Hoje, o clima está tão esquisito, até dentro do Parlamento, que quando se busca uma assinatura para uma PEC, o parlamentar tem medo de assinar a PEC”, disse.
Bolsonaro foi questionado se tinha indícios ou provas concretas de fraude nas urnas. Respondeu que fazia as acusações por causa da retórica de deputado.
“Eu fiquei 2 anos como vereador e 28 como parlamentar. A minha retórica sempre foi parecida com isso. A questão da desconfiança, suspeição ou crítica às urnas não é algo privativo meu”, disse. Ele citou declarações do ministro Flávio Dino e do presidente do PDT, Carlos Lupi, apontando possibilidade de fraude nas urnas.
Mais à frente, Bolsonaro admitiu que pode ter exagerado na forma de defender o voto impresso. “Se eu exagerei na retórica, devo ter exagerado, com certeza. Mas, o meu objetivo sempre foi mais uma camada de proteção para as eleições, de modo que evitasse qualquer conflito. Qualquer suspeição”, declarou.
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Pedido de desculpas e brincadeira com Moraes
Bolsonaro também pediu desculpas a Moraes e a outros ministros do STF por causa de declarações, dentro de uma reunião ministerial em julho de 2022, em que insinuou que eles receberiam propina para favorecer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição daquele ano.
“Não tem indícios nenhum, senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fosse outros três ocupando teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores três”, disse Bolsonaro a Moraes.
Em outro momento, perguntou se podia fazer uma brincadeira com o ministro, quando falava de uma viagem que faria ao Rio Grande do Norte. Perguntou a Moraes se ele gostaria de ver um vídeo com imagens de suas recepções em viagens. O ministro disse que declinava da oferta.
Bolsonaro então perguntou novamente a Moraes se podia “fazer uma brincadeira” e Moraes, rindo, respondeu que, se fosse ele, perguntaria aos advogados. Bolsonaro então disse: “eu gostaria de convidá-lo para ser vice em 26”. “Eu declino novamente”, respondeu Moraes. No momento, o púbico presente deu risadas.
Defesa do governo e recusa em passar a faixa para Lula
Bolsonaro também defendeu seu governo e atribuiu sua derrota a perseguições por parte de opositores no Congresso, que buscavam derrubar medidas do governo no STF; de parte da imprensa, pelo corte na verba de propaganda federal; e também por causa de sua religião católica e evangélica da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Eu não cortei recurso da imprensa por ser malvado, eu fui o único presidente que teve um teto de gastos pela frente, ganhei uma antipatia enorme da imprensa pela a minha pessoa”, disse. “E, também, por conta das pautas dos costumes, sou católico, minha esposa é evangélica e eu sempre preservei as pautas da família, da inocência das crianças”, afirmou.
O ex-presidente também explicou por que não passou a faixa para Lula em 2023. “Eu não ia me submeter à maior vaia da história do Brasil. Não passei porque não ia me submeter a passar a faixa para esse atual mandatário do Brasil”, afirmou.