Moderado. Se fosse realmente necessário classificar o novo papa Leão XIV com algum rótulo político moderno, esse parece ser o mais aceitável, pelo menos até o momento, com base no que já veio a público sobre suas declarações e atividade anteriores ao pontificado. Do ponto de vista conservador, alguns sinais dados nas primeiras 24 horas no trono de Pedro também foram recebidos com otimismo. No que diz respeito à ortodoxia doutrinal ou ao respeito à tradição católica, as reações de líderes católicos mais alinhados a esse espectro foram mais de surpresa positiva do que de lamentação. Se Prevost tem sido anunciado por parte da mídia como um nome de continuidade às ideias de Francisco, ainda é preciso entender até que ponto.
Logo na apresentação aos fiéis, o primeiro papa americano não quis imitar seu predecessor e usou as vestes cerimoniais previstas para o momento: a estola e a mozeta vermelhas, juntas de um crucifixo dourado, paramentos rejeitados por Francisco, mas usados por João Paulo II, Bento XVI e todos os antecessores nos séculos recentes. A escolha foi recebida como um sinal de apreço à tradição católica. Seu primeiro discurso na sacada da basílica também foi mais parecido com aquele feito por Joseph Ratzinger, bastante focado na figura de Cristo e de aparência menos improvisada, do que com a opção feita por Jorge Mario Bergoglio, que surpreendeu ao pedir aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro que o abençoassem antes de ele próprio lhes dar a bênção.
A escolha do nome Leão XIV foi outro aspecto que agradou. Se, por um lado, os católicos mais preocupados com a ênfase em temas sociais têm algo a comemorar, já que o último papa a usar esse nome é considerado o “fundador” da moderna doutrina social da Igreja, por outro, Leão XIII foi papa num período anterior ao Concílio Vaticano II, portanto celebrava a hoje chamada missa tridentina (em latim, de frente para o sacrário, e não para a assembleia) e tinha profunda ligação com São Miguel Arcanjo. Todos esses são tópicos preciosos para os fiéis de um catolicismo mais tradicional. Se Prevost tivesse escolhido Francisco II, João XXIV ou outro nome inédito, provavelmente a recepção entre católicos conservadores e tradicionalistas seria outra.
Contudo, para além dos subjetivismos envolvidos na interpretação de símbolos, são as manifestações de clérigos, intelectuais e influenciadores frequentemente classificados como católicos conservadores que permitem a conclusão de que, neste momento, Prevost está sendo bem recebido por quem temia a ascensão dos cardeais Tagle, Zuppi ou Parolin, considerados por muitos como favoritos e que representariam um continuísmo mais evidente — talvez até aprofundado — das transformações promovidas pelo pontífice argentino e que, para eles, frequentemente incorriam em ambiguidades doutrinais ou algo pior.
Nos Estados Unidos
Na condição de norte-americano e de bispo vinculado à Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), a opinião de seus colegas de episcopado parece reveladora. O arcebispo de São Francisco, Salvatore Joseph Cordileone, por exemplo, é amplamente reconhecido como um dos conservadores mais influentes da Igreja norte-americana, perfil este que pode ser a causa por trás da opção do falecido papa de nunca tê-lo criado cardeal, quando todos os arcebispos anteriores de São Francisco o foram. Desde o momento da revelação sobre quem era o novo pontífice até a publicação deste texto, Cordileone fez nove postagens em sua conta no X sobre Leão XIV, todas em tom elogioso, volume este que parece superar o que seria esperado de uma declaração meramente protocolar a ser feita mesmo se não gostasse do chefe recém-chegado.
Em sua primeira entrevista a uma tevê local para falar do novo papa, o bispo disse que, para ele, “foi uma surpresa”, que não esperava ver um bispo americano um dia, que Leão XIV pode ser um “verdadeiro construtor de pontes” e que prevê “continuidade com tradição”, trazendo mais “união e estabilidade”. Ele também destacou que sua mensagem inicial foi “muito apropriada”.
Outro norte-americano de destaque e que estava presente no conclave que elegeu Prevost é o cardeal Raymond Burke, o preferido dos católicos tradicionalistas. Nesta quinta-feira (08), logo após o anúncio do novo papa, ele foi às redes sociais para pedir orações por Leão XIV: “Por favor, unam-se a mim para agradecer ao Nosso Senhor pela eleição do Papa Leão XIV”, disse o cardeal, acrescentando o pedido por “intercessão de Nossa Senhora de Guadalupe, de São Pedro Apóstolo e do Papa São Leão Magno”, de modo que concedam “abundante sabedoria, força e coragem para cumprir tudo o que o Nosso Senhor lhe pede nestes tempos tumultuados”.
Já a manifestação do bispo Robert Barron, um astro midiático e conservador no catolicismo dos Estados Unidos, foi uma das mais entusiasmadas. “Ainda estou tentando processar tudo! A eleição do Cardeal Robert Prevost como Papa Leão XIV foi uma surpresa extraordinária e maravilhosa. Fui um dos muitos comentaristas que disseram que a escolha de um americano para o papado era uma impossibilidade”, escreveu no X, fazendo referência ao tabu derrubado de que não se escolhe um papa proveniente da maior potência econômica e militar do momento.
O bispo também fez questão de falar sobre a significativa escolha do nome: “Fico muito intrigado com a escolha do nome papal do novo Papa. Leão XIII tem sido um dos meus heróis papais há muito tempo. Ele não apenas inaugurou a tradição do ensino social moderno da Igreja, mas também deu origem ao renascimento do pensamento tomista como uma forma de engajamento criativo com o mundo contemporâneo. Na verdade, há muito nos ensinamentos de Leão que atrairia tanto liberais quanto conservadores hoje, e isso pode sinalizar como este novo Leão funcionará como uma ponte”.
Ele ainda acrescenta que Prevost é um homem “de grande inteligência, experiência e oração” e que espera “que sua eleição tenha um efeito vivificante na Igreja americana”.
No Brasil
Uma das organizações mais influentes na defesa do catolicismo tradicional brasileiro, o Centro Dom Bosco, que se define como “associação de fiéis católicos”, cuja missão é “resgatar a bimilenar Tradição da Igreja”, promoveu uma live em suas redes sociais para acompanhar o anúncio de quem seria o novo papa. Nela, os irmãos Bruno Mendes e Álvaro Mendes, ambos cofundadores da instituição, reagiram com notório entusiasmo ao nome escolhido: “Leão XIV! Leão XIV! Isso foi bom, hein! Nossa Senhora! Eu não tô acreditando, meu coração está disparado!”. Passada a surpresa inicial, Álvaro conclui tratar-se de um nome que agradaria a todos. “É um nome de consenso. Não foi o Parolin e não foi o Tagle, então alguma dificuldade eles tiveram e chegou-se ao Prevost, talvez com o apoio dos conservadores”.
O padre Paulo Ricardo de Azevedo, com seus mais de 2 milhões de seguidores no YouTube, publicou um vídeo logo após a revelação do novo papa, anunciando-o como uma transmissão comemorativa. “O orbe católico inteiro se alegra com a eleição de um novo romano pontífice, o papa. Foi embora a orfandade. Acabou. Agora nós temos um pai”, disse o sacerdote. Nesta sexta (09), o canal do padre também publicou na íntegra a primeira homilia de Leão XIV.
Conhecido por fazer análises críticas de muitas das ações tomadas por Francisco ao longo de seu pontificado, o doutor em Filosofia Joathas Bello, autor do livro “O Enigma do Concílio Vaticano II”, disse ter gostado da primeira homilia de Leão XIV e adotou uma postura prudente de espera por conhecê-lo melhor: “Nem otimismos ingênuos, nem pessimismos amargos. A vida do católico é vida de Esperança”.