O plenário da Câmara impôs nesta segunda-feira (16) uma derrota ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao aprovar com 346 votos requerimento de urgência para sustar o decreto do Executivo que aumentou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Houve apenas 97 votos contra a urgência da medida. Apesar da pressão de líderes da oposição e de partidos do Centrão, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu sobrevida ao Palácio do Planalto ao adiar a análise do mérito da proposta.
Com a urgência aprovada, o projeto que derruba o decreto de Lula fica pronto para ser votado em definitivo pelo plenário da Casa, sem ter que passar por comissões ou cumprir prazos regimentais. Apesar disso, a expectativa é de que Motta não inclua a proposta na pauta nos próximos dias no intuito de ajudar o governo a encontrar uma alternativa ou minimizar os desgastes junto aos líderes partidários.
Caso contrário, a votação para derrubar o decreto deverá ocorrer apenas na segunda semana de julho, pois após feriado de Corpus Christi a Câmara terá apenas sessões virtuais e com pautas de acordo. O recesso informal será concedido para que os parlamentares não precisem se deslocar a Brasília e possam participar dos festejos juninos de seus redutos eleitorais.
Depois disso, na primeira semana de julho, a expectativa também é de corredores esvaziados no Congresso, em função do evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em Portugal. Assim como Hugo Motta, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), também deve liberar os senadores neste período.
“A votação de hoje é muito simbólica sobre o sentimento da Casa [em relação ao governo]. Existe um esgotamento entre os partidos sobre as medidas do governo que visam aumentar a arrecadação por meio do aumento de impostos. O governo é sabedor dessa informação”, disse Hugo Motta aos jornalistas.
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O acordo para que Motta não pautasse o mérito do projeto de derrubada do decreto na mesma sessão que aprovou o pedido de urgência foi costurado ainda nesta segunda durante uma reunião com integrantes governo na Residência Oficial da Presidência da Câmara. Além de líderes do PT, estiveram presentes os ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais.
Sem apoio entre os líderes de partidos da base, os integrantes do Palácio do Planalto fizeram diversos acenos ao presidente da Câmara ao longo de todo o dia. Antes de embarcar para o Canadá, onde participa como convidado da cúpula do G7 nesta terça-feira (17), o próprio presidente Lula procurou Hugo Motta para tentar contornar a derrota do governo.
Pelas redes sociais, Gleisi Hoffmann saiu em defesa do presidente da Câmara diante das críticas de alguns integrantes do PT contra o deputado. “O relacionamento do presidente Hugo Motta com o governo do presidente Lula tem se caracterizado por responsabilidade e firmeza nos encaminhamentos acordados em comum”, escreveu Gleisi, no X.
“No comando da Câmara, trouxe previsibilidade na pauta legislativa sempre fruto do colégio de líderes, que expressa manifestações dos parlamentares. Tratamos às claras dos interesses do país e isso tem sido fundamental para a tramitação das propostas do governo no Legislativo”, continuou a ministra de Lula.
Na mesma rede social, o deputado Lindberg Farias (RJ), líder do PT na Câmara, também fez afagos ao presidente da Câmara. “Hugo Motta tem exercido sua função com equilíbrio, serenidade e diálogo – atributos fundamentais em um cenário de tensões políticas. Não cede a arroubos autoritários nem a pressões momentâneas. Sua liderança está ancorada na Constituição e na construção de consensos”, disse o petista.
Aliados de Hugo Motta admitem nos bastidores que o deputado resolveu colocar o “pé no freio” e dar uma sobrevida ao governo. Desde que assumiu a presidência da Câmara, o parlamentar tem mantido relação próxima ao Palácio do Planalto e evitado emplacar derrotas ao Executivo.
“Não houve um prazo estabelecido, mas uma conversa franca com o presidente da República, com os líderes do governo e com a ministra Gleisi Hoffmann. A missão do presidente da Câmara é verbalizar o sentimento da Casa que representamos. Os deputados não estão à vontade apoiar essa agenda de aumento de impostos”, disse Motta após a reunião com os governistas.
Segundo ele, não houve no encontro um compromisso do governo em recuar em relação ao decreto sobre o IOF. “O que há do governo é um compromisso de apresentar uma agenda de corte de gastos e estamos aguardando. Falei com o ministro Fernando Haddad, que solicitou novas agendas para tratar desse tema. É fundamental que o Executivo participe e esperamos que o governo entre verdadeiramente nessa pauta. A nossa relação seguirá sendo franca e verdadeira”, completou o presidente da Câmara.
Apesar disso, o Palácio do Planalto tem usado as emendas parlamentares para tentar convencer os parlamentares a manter os aumentos de impostos propostos pelo governo. Nas conversas, os governistas têm sinalizado que os recursos indicados pelos parlamentares no Orçamento poderão ser alvos de bloqueios, caso as medidas para aumentar a arrecadação sejam derrubadas pelo Congresso.
“Se não tivermos essas soluções que o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad está apresentando, sabe o que vai acontecer no dia 21? Novos cortes e novos contingenciamentos. E aí, o contingenciamento pode ser linear, atinge todas as despesas discricionárias, inclusive as emendas parlamentares”, disse o líder do governo na Câmara, Jose Guimarães (PT-CE).
As emendas são um dos principais instrumentos de poder no cenário político atual. Por meio delas, parlamentares disputam com o Executivo a capacidade de determinar a destinação de parte do Orçamento da União. Elas são usadas por deputados e senadores para mandar recursos para suas bases eleitorais.
Centrão vai manter pressão contra Lula no Congresso
Apesar do acordo costurado com Hugo Motta, líderes de partidos do Centrão – inclusive algumas siglas com cargos na Esplanada dos Ministérios – usaram a votação da urgência para o pedido de derrubada do decreto do IOF para mandar recados ao governo. A federação do União Brasil com o Progressistas (PP), por exemplo, fechou questão para votar integramente pelo pedido de urgência. Juntas, as duas siglas têm uma bancada de 109 deputados.
“O governo usa de um instrumento extrafiscal, regulatório, com a narrativa falaciosa de se atingir a meta fiscal, desvirtuando toda a natureza do IOF e incidindo em uma inconstitucionalidade nata, fácil de se verificar, nesse afã arrecadatório. As alíquotas triplicaram, quadruplicaram. Ora, o que é isso senão querer pura e simplesmente arrecadar, penalizando o setor produtivo, penalizando os contribuintes, penalizando o cidadão a todo tempo?”, afirmou Afonso Marangoni (União-SP), vice-líder da federação.
O PSD, que tem três ministérios no governo Lula e 45 deputados, também apoiou a votação da urgência. “A nossa bancada entende, primeiro, que há um excesso de gastos do governo. Segundo que já houve muitos aumentos, a carga tributária está muito grande, a arrecadação maior da História e, mesmo assim, há déficit. Isso não é prioridade no momento e o Brasil não quer isso”, afirmou deputado Reinhold Stephanes (PR), vice-líder da sigla.
O descontentamento com o Palácio do Planalto também foi apontando por integrantes do MDB, partido com três ministérios na gestão petista. “Estamos diante de uma medida que carece de transparência, diálogo e legitimidade. Essa medida foi adotada sem a consulta aos setores produtivos, sem a escuta das empresas, dos produtores rurais e, ainda mais grave, sem qualquer debate com esta Casa Legislativa, que foi solenemente ignorada”, disse Valdir Cobalchini (RS), vice-líder do MDB.
A adesão por parte do Centrão foi comemorada por integrantes da oposição durante a sessão do plenário. “Vamos derrubar o decreto do desgoverno Lula, que teve a brilhante ideia, junto com o seu Ministro da Fazenda, o Sr. Haddad, de aumentar o IOF. Parabéns ao Partido Novo, ao PL, ao União Brasil, ao Republicanos, ao PP e à parte do PSD. Este Governo já foi para o brejo, ele já perdeu. Então, hoje, a gente vai ter muito a comemorar”, disse Luiz Lima (Novo-RJ), vice-líder da Minoria no Congresso Nacional.
Congresso deve impor novas derrotas ao governo Lula
Além do pedido para derrubar o decreto sobre o IOF, líderes do Centrão pressionam pela derrubada de uma portaria do Governo Federal que impõe novas regras para o trabalho em feriados no comércio. O pedido de urgência foi incluído também na pauta desta segunda e pode ser votado ainda nesta sessão.
A medida, assinada pelo Ministério do Trabalho, exige negociação coletiva entre patrões e empregados para permitir a abertura de estabelecimentos como supermercados, farmácias, concessionárias de veículos e outros setores comerciais nesses dias. A portaria do governo Lula revoga uma norma anterior do governo Jair Bolsonaro, que liberava o funcionamento do comércio em feriados sem necessidade de convenção coletiva.
A medida gerou forte reação no Congresso e teve sua entrada em vigor adiada diversas vezes — a data atual está marcada para 1º de julho de 2025. Se entrar em vigor, a nova regra exigirá que empresas de 12 segmentos do comércio — incluindo supermercados, farmácias, hortifrutis e revendas de veículos — só abram nos feriados mediante acordo sindical.
Segundo o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, teria sinalizado um novo adiamento da implementação da medida por seis meses, durante os quais o setor se comprometeria a apresentar uma solução consensual. A pasta, no entanto, ainda não confirmou oficialmente a nova prorrogação, embora reconheça as negociações em curso com o setor empresarial e parlamentares.
Paralelamente, deputados e senadores vão se reunir em sessão do Congresso Nacional nesta terça-feira (17) para analisar uma série de vetos do presidente Lula. O acordo com líderes da base inclui ainda a derrubada do veto ao projeto que previa pensão mensal e vitalícia a pessoas que nasceram com deficiência causada pelo vírus Zika durante a gestação.
Também existe a expectativa de derrubada do os vetos sobre a regulamentação da reforma tributária. O Planalto retirou a isenção dos fundos de investimento e patrimoniais da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), os novos tributos que entram em vigor com a reforma.
A medida afeta os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro). Além disso, na reunião, a expectativa é que o presidente Davi Alcolumbre (União-AP) faça a leitura para instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A oposição é autora do requerimento e vem pressionando pela instalação do colegiado. Se criada, a CPMI vai investigar o esquema bilionário de fraudes nas contas de aposentados e pensionistas do INSS.
Os desvios, entre os anos de 2019 e 2024, são estimados em R$ 6,3 milhões. “A maioria das vítimas são idosos e pensionistas, grupo especialmente vulnerável a práticas abusivas. Investigar e punir os responsáveis é essencial para garantir justiça a essas pessoas e evitar novas violações”, dizem as parlamentares no documento.