As críticas de parlamentares de correntes políticas diferentes, notadamente da região amazônica, contra a ministra do meio ambiente, Marina Silva, durante audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, nesta terça-feira (27), ampliaram o seu isolamento e expuseram contradição do governo na área ambiental.
O cientista político Felipe D’Ávila afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “nunca ligou para a pauta ambiental”, se contentando desde a campanha presidencial em apontar Marina como aliada. “A ministra não tem qualquer respaldo do governo e tem figurado como uma espécie de rainha da Inglaterra: alguém que carrega reputação internacional na área para encabeçar o Ministério do Meio Ambiente e versar sobre a questão do clima, mas que não tem qualquer noção de execução”, sublinhou D’Ávila.
Além disso, o episódio escancarou não só a crescente pressão contra a gestão da ministra, mas sobretudo a frente majoritária no Congresso – formada por opositores e aliados ao governo – disposta a flexibilizar normas ambientais para alavancar investimentos, em contradição com o discurso pró-sustentabilidade do Brasil em fóruns globais.
Esse embate evidenciou a tensão entre Marina e projetos estratégicos, enquanto o país se prepara para sediar, em novembro, a conferência da ONU para a questão climática (COP 30), em Belém. Conhecida mundialmente pela causa ambiental, a ministra rivaliza desde a sua posse com demandas apoiadas pelo próprio governo.
Chamou a atenção o fato de que a ministra ficou exposta às fortes críticas em série de senadores da oposição e da base governista, sem que a “tropa de choque” do Palácio do Planalto comparecesse para defendê-la. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), presenciou o bate-boca e deixou o auditório sem reação.
A confrontação de Marina ocorreu dias após o Senado aprovar novo marco para licenciamentos ambientais e em meio à discussão sobre regras de conservação na Margem Equatorial, onde a Petrobras quer explorar petróleo. A iniciativa é vista pelo Congresso, sobretudo a bancada do Norte, como obstáculo a investimentos.
O projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovado com 54 votos a favor e 13 contrários, cria, entre outras medidas, uma Licença Ambiental Especial (LAE), proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que facilita alvos prioritários do Executivo, com rito simplificado e dispensa de etapas tradicionais.
Senadores mostram irritação e endereçam críticas a obstáculos de Marina Silva
Um dos principais críticos da ministra, o senador Omar Aziz (PSD-AM), que também é um dos mais efusivos defensores de Lula no Congresso, creditou a Marina a culpa pela demora na aprovação do novo marco do licenciamento ambiental, aprovado na semana passada, e pelo adiamento da conclusão de rodovias em seu estado.
Durante a sessão, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou respeitar Marina como mulher, mas não como ministra, recusando-se a pedir desculpas após ser confrontado. A ministra decidiu se retirar da audiência, relembrando que o tucano já havia declarado, em março, que teve vontade de “enforcá-la” durante uma CPI.
À frente da CPI das ONGs, Valério acusou organizações de atuarem como “poder paralelo” na Amazônia, recebendo recursos sem prestar contas. Em uma audiência, ele afirmou que o Brasil era “dominado por quem tem dinheiro”, referindo-se a entidades que, segundo ele, fazem o “trabalho sujo” para isolar populações.
O senador Marcos Rogério (PL-RO), presidente do colegiado, também protagonizou momentos de tensão ao interromper Marina e sugerir que ela “se pusesse no seu lugar”, o que foi interpretado por governistas como manifestação de machismo e desrespeito institucional, cenas que tiveram grande repercussão nas redes sociais.
Nesse cenário, o cientista político Felipe D’Ávila defende a renúncia da ministra. “É o que Marina deveria fazer, se ainda restar alguma dignidade a ela”, disse.
No auge das críticas, defesa da ministra ficou restrita a apenas dois senadores
Ao lado de Eliziane Gama (PSD-MA), Rogério Carvalho (PT-SE) foi um dos únicos senadores presentes a defender a ministra durante o bate-boca. “Quando alguém começa um debate dizendo que respeita a mulher, mas não respeita a ministra, isso não cabe em um debate institucional”, disse ele na sessão.
Após a sessão tumultuada no Senado, Marina se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para solicitar mais tempo de discussão sobre o projeto do novo marco dos licenciamentos. Motta garantiu que consultará líderes partidários e setores da sociedade antes de definir o cronograma.
No mesmo dia, a Câmara aprovou o projeto conhecido como Lei do Mar, que institui a Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho. A proposta, em tramitação há 13 anos, fixa diretrizes para preservação do oceano e a sustentabilidade de comunidades litorâneas.
Pela proposta, os municípios do litoral terão até quatro anos para se adequarem às novas exigências após a sanção da lei. O texto segue para análise no Senado, na mão inversa do marco de licenciamentos. Analistas acham que a votação da Lei do Mar pode ter sido uma resposta ao mal-estar gerado pelo episódio com Marina.
Novo licenciamento ambiental junta apoio de oposição, mercado e governistas
A coincidência entre a aprovação da Lei do Mar e os confrontos de senadores com a ministra não levantou, contudo, dúvidas sobre a votação do novo marco para licenciamentos, que tem apoio das entidades que representam os maiores setores econômicos e até de parte do governo, como o ministro da agricultura, Carlos Fávaro.
O ministro defende a mudança na lei aprovada no Senado para simplificar normas de licenciamento ambiental e, assim, impulsionar o crescimento do país e facilitar a liberação de obras de infraestrutura esperadas há décadas, como a ferrovia Ferrogrão, que escoará a produção do Centro-Oeste pelos portos do norte do país.
A expectativa é que o projeto de licenciamento ambiental seja votado na Câmara até julho, embora o episódio envolvendo Marina possa influenciar na tramitação. No caso da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, que beneficia diretamente o Amapá, de Alcolumbre, a pressão contra a ministra é ainda maior.
O próprio Lula cobrou o Ibama para ser “pró-governo” e “deixar de lenga-lenga” na concessão de licença ambiental para a Petrobras iniciar a exploração de petróleo na área já batizada de “novo pé-sal”. O presidente sabe que a ministra é uma das maiores opositoras ao projeto, apoiada por ONGs nacionais e estrangeiras.
O episódio no Senado gerou reações de solidariedade a Marina. A primeira-dama, Rosângela “Janja” da Silva, e as ministras Márcia Lopes (Mulheres) e Anielle Franco (Igualdade Racial) chamaram as falas de senadores de misóginas. Lula apenas comunicou a Marina por telefone que ela agiu certo ao deixar a audiência.