O Congresso Nacional recebe, a partir desta terça-feira (3) até quinta-feira (5), o 11º Fórum Parlamentar do Brics, com a participação de 31 casas legislativas e cerca de 150 parlamentares de outros países. Os parlamentares do Brasil, anfitriões do evento, optaram por focar os debates na regulamentação da Inteligência Artificial (IA) e vão deixar de fora as discussões sobre uma moeda ou forma de compensação de pagamentos alternativa ao dólar nas transações comerciais como forma de evitar embates com os Estados Unidos.
O Brics é um grupo internacional formado por 11 países: África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Índia, Indonésia, Irã e Rússia. O grupo conta ainda com nove países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
O Brasil vem assumindo nos últimos anos o papel de desenvolver um sistema de pagamentos internaiconais entre os membros do grupo, segundo afirmou no ano passado o chanceler russo Sergei Lavrov. Esse é um dos pontos mais sensíveis do Brics, pois tem grande potencial de atrair sanções internacionais pesadas para países que se contraponham à hegemionia do dólar como moeda de troca global. O sistema atende principalmente aos interesses da China e da Rússia, que buscam meios de escapar de sanções dos Estados Unidos.
Por isso, os parlamentares preferiram focar as conferências dessa semana em um tema politicamente mais “seguro”: o debate sobre a inteligência artificial. Entre os integrantes do bloco, países como China, Rússia, Índia e África do Sul já avançaram em legislação sobre o tema. No Brasil, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão especial no mês de maio, com objetivo de discutir uma proposta já aprovada pelo Senado.
“Nós queremos que a legislação que venhamos a aprovar aqui na Casa possa acompanhar os desafios regulatórios que o mundo tem vivenciado e que possa também colocar o Brasil no mapa da inteligência artificial. A gente quer, enquanto país, desenvolver a inteligência artificial e não só consumir”, explicou a deputada Luísa Canziani (PSD-PR), presidente da comissão especial da Câmara sobre IA.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a atuar para tentar incluir a regulação das redes sociais na proposta sobre regulação da IA. A estratégia, no entanto, acabou sendo vetada pelos parlamentares da oposição dentro do colegiado.
“Não podemos deixar que a comissão seja usada para colocar nesse projeto, nesse debate, a censura. Afinal de contas, nós estamos falando de algo digital, da inteligência artificial, que está envolvida, obviamente, com a internet. E a gente percebe sempre uma tentativa, uma sanha autoritária, de colocar censura em todo e qualquer projeto que envolva a internet ou o mundo digital”, explicou o deputado Gustavo Gayer (PL-GO).
No último mês, durante visita à China, Lula disse que ele próprio pediu ao governo chinês para “enviar para o Brasil uma pessoa da confiança” para discutir sobre questões digitais e o Tik Tok. A expectativa dos líderes envolvidos nas discussões, no entanto, é de que o Fórum Parlamentar do Brics se limite apenas a tratar do uso da inteligência artificial.
“Vejo com clareza que a regulação da IA vai além de uma agenda tecnológica — é uma agenda de soberania, de direitos humanos e de segurança global. O Senado brasileiro já fez a sua parte, aprovou uma proposta equilibrada e conectada com os parâmetros internacionais. Agora, o debate precisa avançar com os demais países e com o setor produtivo”, defendeu o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
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A influência da China no mercado de inteligência artificial do Brasil
Apesar da expectativa de limitação do debate sobre regulamentação da inteligência artificial durante o fórum parlamentar, a China tem buscado usar o seu poder de influência sobre os demais países do Brics ao tratar sobre o uso da tecnologia. Em maio, o vice-ministro do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China, Xiong Jijun, esteve no Brasil para debater o tema entre os países do Sul Global.
“A inteligência artificial desempenha, hoje, um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável da sociedade global. O presidente Xi Jinping defende que sigamos o espírito do Brics, de abertura, inclusão, cooperação e benefício mútuo, para ampliar a colaboração internacional em IA e fortalecer, continuamente, a segurança, a confiabilidade, a governabilidade e a equidade no desenvolvimento e na aplicação dessas tecnologias”, afirmou Jijun na ocasião.
Em janeiro deste ano, por exemplo, o mercado global de tecnologia foi abalado pela ascensão da DeepSeek, uma IA desenvolvida por uma startup chinesa. Com uma semana do lançamento de seu modelo mais recente, o aplicativo se tornou o mais baixado nos Estados Unidos, ultrapassando gigantes como o ChatGPT, da OpenAI.
O sucesso meteórico gerou consequências imediatas. A NVIDIA, maior fabricante de chips para IA do mundo, viu suas ações despencarem 16%, resultando em uma perda de valor de mercado de cerca de US$ 500 bilhões (aproximadamente R$ 3 trilhões). Empresas como Microsoft e Google também registraram quedas de 3% ou mais na ocasião.
Durante a passagem de Lula pela China, em maio, o petista admitiu que pretende importar para o Brasil as tecnologias chinesas. Entre os acordos assinados entre os dois países está o que trata sobre inteligência artificial.
“A gente quer tudo que eles [China] podem compartilhar conosco, e a palavra correta é ‘compartilhar’, porque a gente precisa aprender a trabalhar junto para que as coisas possam dar os frutos que nós precisamos”, disse Lula na ocasião.
Brics Pay ficar fora das discussões do fórum parlamentar
Apesar dos anseios por parte do governo federal brasileiro, as discussões sobre a criação de um sistema próprio para as transações financeiras internacionais, que não passe pelo dólar, entre os países do Brics vai ficar de fora do fórum parlamentar. A avaliação entre os líderes que organizam o evento é de que esse tema gera divergência e poderia ampliar o tensionamento com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O norte-americano já sinalizou que poderia aplicar sanções contra os países que adotarem uma moeda alternativa ao dólar em suas transações comerciais. Apelidado de Brics Pay, o modelo de pagamento alternativo é defendido pelo presidente Lula e só deve entrar em pauta durante a cúpula de presidentes do Brics e que será realizada em julho, no Rio de Janeiro.
Líderes ouvidos pela reportagem admitem que esse tema ficou fora do radar neste momento, pois não há qualquer intenção de afrontar Trump. A avaliação é de que essa discussão, se houver, precisa ser conduzida diretamente pela diplomacia do Brasil com os demais membros integrantes do Brics.
“É uma grande honra estar neste momento tão relevante para o Brasil e para o mundo. O Brics tem um papel fundamental na construção de uma nova ordem internacional, mais multipolar, inclusiva e cooperativa. E o Parlamento brasileiro quer estar no centro desse debate”, afirmou o senador Nelsinho Trad.
Em abril, uma declaração conjunta de chanceleres de países integrantes do Brics defendeu o uso moedas locais para pagar as transações comerciais sem passar pelo dólar. “Os Ministros destacaram a importância do uso ampliado de moedas locais nas compensações comerciais e financeiras entre os países do Brics e seus parceiros comerciais”, diz o texto.