O presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), esteve no Departamento de Estado Americano para tratar de segurança pública e combate ao crime organizado com o objetivo de facilitar a interação entre investigadores americanos e brasileiros. Lá lhe foram repassadas informações que confirmam que os Estados Unidos estariam muito próximos de enquadrar organizações criminosas brasileiras, como Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e outras que seguem o mesmo caminho no narcotráfico internacional, na lista de terroristas no conceito americano.
A visita oficial de Bilynskyj a autoridades americanas ocorreu poucos dias após o chefe interino da Coordenação de Sanções dos Estados Unidos, David Gamble, e do conselheiro do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA, Ricardo Pita, se reunirem, no Brasil, com representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do governo Lula (PT) e ouvirem que o país não pretende enquadrar essas organizações em uma relação interna.
Segundo o deputado brasileiro, Gamble e Pita teriam então comunicado aos interlocutores brasileiros sobre as consequências do provável e possivelmente breve enquadramento americano das facções brasileiras no rol de terrorismo.
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Bilynskyj se encontrou com Pita e outras autoridades dos Estados Unidos e recebeu informações que divergem do que foi veiculado no Brasil sobre a visita da comitiva dos EUA no começo do mês. Segundo Bilynskyj, a equipe técnica do governo brasileiro foi informada das medidas que os americanos pretendem adotar sobre a classificação terrorista das organizações criminosas brasileiras. Ou seja, não teriam ido ao Brasil apenas para consultar se classificação similar poderia ser adotada pelo país.
O ministro da Justiça brasileiro, Ricardo Lewandowski, não participou do encontro porque estava em um evento na Espanha, mas interlocutores do governo afirmaram que o Brasil não pretendia colocar PCC e CV numa relação interna de organizações terroristas. O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, chegou a dizer que as facções não atuam “em defesa de uma causa ou ideologia”, mas lucram com atividades criminosas e que por esse motivo não podem ser consideradas terroristas de acordo com a Lei Antiterrorismo em vigor no Brasil. O Ministério da Justiça não deu detalhes sobre o encontro com as autoridades americanas.
Após a visita da comitiva americana ao Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o regime de urgência para tramitação do Projeto de Lei 1.283/2025, que propõe ampliar o conceito legal de terrorismo no país, incluindo na definição as ações de facções criminosas e milícias privadas. Com a urgência aprovada, a proposta pode ser votada diretamente no plenário, sem necessidade de passar pelas comissões.
O projeto de lei é de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE) e altera a Lei Antiterrorismo, de 2016, para enquadrar como terrorismo os atos cometidos com o objetivo de impor domínio territorial e causar terror social ou generalizado, inclusive por meio de recursos cibernéticos. A medida também estabelece mais penas para punir crimes terroristas praticados por via digital.
Embora o governo tenha orientado voto favorável à urgência, ainda não há consenso sobre o mérito do projeto, segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Já o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu a necessidade de priorizar o tema da segurança pública. Ele afirma que o debate ocorrerá com respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito.
A oposição destacou que o projeto responde diretamente às expectativas do governo americano e propôs incluir na discussão o enquadramento de dezenas de facções criminosas brasileiras como organizações terroristas. A relação completa das organizações, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, ainda não foi concluída. Estima-se, por ora, que podem incluir PCC, CV, Terceiro Comando Puro (TCP), Amigos dos Amigos (ADA), entre outras. O Brasil tem hoje quase 90 organizações criminosas ativas, segundo levantamento do próprio MJSP.
Enquanto isso, o caminho para o governo dos Estados Unidos classificar facções criminosas brasileiras como terroristas está sendo bem trilhado desde o início do atual governo de Donald Trump e pode ocorrer ainda neste ano, segundo interlocutores ligados ao governo americano. Trump promete pulso firme e mais rigor na classificação desses núcleos criminosos com atuação no país.
“Na reunião com [o conselheiro americano Ricardo] Pita e dois investigadores que atuam no combate ao terrorismo na América Latina, o Pita nos disse, literalmente, que o governo brasileiro afirmou que nossas organizações criminosas não são terroristas, mas que a comitiva não veio ao Brasil para perguntar, veio para informar ao governo brasileiro o que vai acontecer caso o governo americano enquadre PCC, CV e outras organização como terroristas”, disse Bilynskyj.
Segundo o deputado, os americanos Gamble e Pita falaram ao governo brasileiro em congelamento de ativos, prisões com penas severas, deportações e esforços conjuntos com as forças policiais brasileiras para enfrentamento aos criminosos em território nacional.
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Alerta ao terrorismo: EUA mapearam a presença do PCC e CV em 12 estados americanos
Autoridades americanas mapearam a presença de membros do PCC e do CV em 12 dos 51 estados americanos, segundo o parlamentar brasileiro. “A ameaça que existe ao governo americano sobre CV e PCC é muito maior do que a gente imagina, porque eles estão lá. Estão em 12 estados. O governo americano não olha para essas organizações como um problema brasileiro, mas como um problema americano, que nasceu no Brasil e precisa acabar no Brasil”.
O deputado também esteve no Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos e se encontrou com um adido que atuou na embaixada brasileira por cinco anos. Esse adido foi um dos responsáveis pela operação deflagrada no Rio de Janeiro, em 2019, que localizou peças cerca de 100 fuzis camufladas em carregamentos de aquecedores de piscina.
“Eles sabem bem como é a atuação do PCC e do CV no Brasil e nos Estados Unidos e ela é muto mais intensa por lá do que possamos imaginar. Eles já entenderam que não é só prender, mas tirar o dinheiro das organizações criminosas. É descapitalizar”.
Bilynskyj também afirmou que relatórios americanos apontam para a metodologia de ação das organizações criminosas com envolvimento em núcleos políticos e a infiltração em atividades legais para lavagem de dinheiro no Brasil. A atenção é para que o mesmo não ocorra nos Estados Unidos.
Ricardo Pita, conselheiro do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA, deve voltar ao Brasil em 60 dias com um novo levantamento sobre segurança pública, crime organizado e o impacto nos Estados Unidos.
Ele também trará uma avaliação detalhada sobre a atuação do Hezbollah e do Hamas na região da tríplice fronteira – Brasil, Paraguai e Argentina -, que atua em parceria com o PCC.
“O chumbo vai ser grosso. Os Estados Unidos voltam seu olhar para a América Latina porque sabem que tudo de ruim que acontece na América Latina vai chegar aos Estados Unidos. As organizações criminosas brasileiras estão bastante presentes lá e eles vão combater isso”, afirma o deputado.
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Como Trump planeja colocar organizações criminosas na lista do terrorismo
O retorno de Donald Trump à presidência americana trouxe a pauta do combate ao crime organizado e ao terrorismo. Em um de seus primeiros atos, ainda em janeiro, Trump assinou uma ordem executiva que classifica cartéis de drogas como organizações terroristas estrangeiras, com foco inicial, mas não exclusivo, nos grupos que operam na América Latina. O governo norte-americano criou um grupo de trabalho que elabora a lista de organizações a serem oficialmente incluídas nessa categoria. Autoridades americanas avaliam que PCC e CV podem entrar nela a partir do risco que oferecem diante de suas operações transnacionais.
Essa nova política pretende transformar o enfrentamento aos cartéis e facções criminosas em uma questão de segurança nacional e ampliar os instrumentos legais para perseguir grupos criminosos, permitindo a aplicação de sanções financeiras, bloqueio de bens e processos criminais mais severos por terrorismo.
Além disso, especialistas apontam que Trump deverá pressionar governos latino-americanos, incluindo o brasileiro, a adotar medidas semelhantes, fortalecendo uma coalizão internacional que caracterize esses grupos não apenas como criminosos, mas como ameaças terroristas, o que justificaria intervenções mais agressivas e cooperação bilateral intensificada.
No contexto brasileiro, autoridades como o delegado da Polícia Federal Marco Smith reconhecem que grupos como PCC e o CV já apresentam características típicas de cartéis e células terroristas: domínio territorial, uso sistemático da violência, infiltração em instituições públicas e presença internacional, especialmente na América do Sul, Europa e Estados Unidos.
Relatórios do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e da PF apontam que o PCC movimenta toneladas de cocaína para a Europa e outros continentes, consolidando-se como uma das redes criminosas globais que se instala em estados norte-americanos.
A estratégia de Trump também pode levar a uma mudança estrutural na política externa americana, com a possibilidade de novas parcerias para ações conjuntas, inspiradas em programas como o antigo Plano Colômbia.
O Plano Colômbia foi um acordo de cooperação militar e antidrogas firmado entre os Estados Unidos e a Colômbia, no fim dos anos 1990, com o objetivo principal de combater o narcotráfico e grupos armados, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O plano envolveu bilhões de dólares em ajuda financeira, treinamento militar, fornecimento de armas e aviões, além de ações para fortalecer as instituições colombianas.
Contudo, essa abordagem suscita desafios diplomáticos e resistência em países que temem violações de soberania ou que enfrentam limitações institucionais para reprimir o crime organizado.
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O que vai acontecer quando as facções brasileiras entrarem na lista do terrorismo
Entre as sanções que podem ser aplicadas pelos EUA aos grupos brasileiros enquadrados como terroristas, a exemplos de outros pelo mundo, estão o congelamento de bens e bloqueio de ativos. Todos os bens e interesses financeiros de indivíduos, grupos ou entidades designadas como terroristas serão bloqueados em território americano. Cidadãos residentes ou empresas dos EUA ficarão proibidos de realizar qualquer tipo de transação com os listados.
O congelamento também se estende a ativos que, mesmo fora do território americano, possam ser processados ou controlados por meio do sistema financeiro dos EUA.
A relação envolve ainda a proibição de entrada nos Estados Unidos. Assim, indivíduos designados como terroristas são automaticamente impedidos de obter vistos ou entrar legalmente no país. Eles podem ser detidos e deportados com base na legislação de segurança nacional e imigração. No campo de penalidades criminais e civis, existe a possibilidade de colaboração, apoio material, assim como financiamento para investigações criminais.
A legislação prevê penas severas, incluindo longas sentenças para quem prestar assistência, treinamento ou recursos às entidades sancionadas. Os EUA pressionam bancos e instituições financeiras de outros países a bloquear contas e interromper relações com entidades listadas, o que pode afetar decisões em outros países. Esse isolamento tem como objetivo cortar fontes de financiamento, incluindo lavagem de dinheiro, venda de armas e tráfico de drogas.
Em casos extremos, operações militares são autorizadas, como foi o caso contra a Al-Qaeda e o Estado Islâmico – em seus países de origem – e o uso da força contra grupos classificados como terroristas é respaldado por legislações internas como a Autorização para uso das Forças Militares (Authorization for Use of Military Force AUMF), aprovada após o 11 de Setembro.
A medida também prevê a inclusão em listas oficiais, como a das Organizações Terroristas Estrangeiras (Foreign Terrorist Organizations, sob a sigla FTO), mantida pelo Departamento de Estado e a Terroristas Globais Especialmente Designados (Specially Designated Global Terrorists, da sigla SDGT), organizada pelo Departamento do Tesouro. Essas listas são atualizadas periodicamente e ampliadas conforme novos grupos ou indivíduos sejam identificados.