As investigações da Polícia Federal que apuram em 13 diferentes inquéritos a fraude bilionária do INSS podem passar a ser conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após a descoberta de indícios que envolveriam nomes de parlamentares e assessores. Isso porque esses políticos têm foro privilegiado e não podem ser submetidos a uma possível apuração em outras instâncias.
A reportagem apurou que a Polícia Federal analisa indícios de que possa ter havido pagamento de propina para congressistas ou seus assessores para facilitar o acesso de associações e sindicatos à cúpula do INSS. Os suspeitos podem ter atuado ainda para retardar investigações ou influenciar decisões políticas em troca de pagamentos mensais que podem ter chegado a R$ 50 mil por investigado em uma espécie de “mensalão”.
Até agora, as investigações apontam que servidores da cúpula do INSS teriam facilitado a realização de descontos não autorizados nos pagamentos de milhares de beneficiários por meio de vinculação em massa a associações e sindicatos. O esquema de fraudes gerou o desvio de mais de R$ 6 bilhões e já resultou na queda do ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), e do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Ao menos 15 parlamentares ou seus assessores estão sendo investigados pela PF por possível envolvimento no esquema, segundo apurou a Gazeta do Povo com fontes ligadas às investigações que pediram para não ter seus nomes divulgados por tratar de assuntos sensíveis.
Nesta semana, o ministro Luiz Fux determinou que INSS, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a PF prestem informações sobre as investigações a respeito de fraudes. A ação dele está relacionada a um mandato de segurança, solicitado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que visa obrigar a Câmara a abrir uma CPI. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), vem argumentando que há mais de cinco pedidos de CPI na fila, o que impediria a criação neste momento de uma CPI do INSS.
Caso seja confirmado o envolvimento em crimes de parlamentares com foro privilegiado, os 13 diferentes inquéritos que a Polícia Federal conduz atualmente podem ser repassados de tribunais federais para o Supremo para uma apuração unificada.
Uma pesquisa divulgada nesta semana pela Quaest mostra que 31% dos entrevistados acreditam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o responsável pela corrupção no INSS, enquanto 8% dizem que a culpa é das instituições envolvidas.
O levantamento também apontou que a impopularidade de Lula bateu recorde e chegou a 57%. A pesquisa entrevistou 2004 pessoas entre os dias 29 de maio e 1 de junho, tem margem de erro de dois pontos percentuais e índice de confiança de 95%.
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Investigações tomaram novos rumos recentemente
Na semana passada o ex-coordenador-Geral de Repressão a Crimes Fazendários da PF, o delegado Carlos Henrique Oliveira e Sousa, que atuou diretamente na instauração do inquérito principal na Direção-Geral do órgão, participou de audiência na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, após convite da Câmara dos Deputados. Ele foi ouvido em substituição ao diretor-geral Andrei Rodrigues.
Lá, ele chegou a dizer que não havia políticos entre os investigados nem mencionou o aparecimento do nome de parlamentares nas apurações. O cenário, no entanto, teria mudado desde que Sousa deixou o cargo e as investigações para assumir a superintendência da PF na Paraíba no início de maio.
Essa trama maior vem sendo desvendada com base na análise em equipamentos eletrônicos e milhares de documentos físicos apreendidos durante a operação Sem Desconto, deflagrada em 24 de abril e em operações subsequentes.
Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo indicam que nomes ligados a pelo menos três siglas apareceram nas informações preliminares: do PDT, que é o partido de Carlos Lupi, o ex-ministro da Previdência quando o escândalo veio a público, que está na base do governo e indicou o atual ministro, o PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido Liberal (PL), sigla de oposição ao governo. Todos foram procurados pela reportagem, mas não retornaram os contatos.
Não necessariamente os políticos desses partidos receberam propina, mas seus nomes foram citados nas investigações.
A PF institucionalmente não comenta investigações em curso e não deve detalhar o andamento dos relatórios, mas Sousa afirmou que os investigadores identificaram que houve afrouxamento de regras estabelecidas dentro do INSS, inclusive por ordens “hierárquicas de técnicos ligados à cúpula do órgão”.
Essas medidas permitiram que dados do banco de informações do instituto fossem usados para os descontos ilegais lesando milhões de brasileiros. Segundo o delegado, se um sistema simples de biometria tivesse sido utilizado pelo INSS, como vem sendo recomendado por órgãos de fiscalização e controle, ao menos 58% das fraudes bilionárias poderiam ter sido facilmente evitadas.
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Apurações ainda estão em fase inicial, confirma delegado da PF
Segundo o delegado da PF Carlos Henrique Oliveira e Sousa, as investigações ainda estão em curso e são consideradas em fase inicial. O processo ainda deve levar meses até a conclusão diante da grande quantidade de provas apreendidas e o que vem sendo descoberto a partir delas.
Preliminarmente a CGU indicava uma fraude que poderia ter alcançado R$ 6,3 bilhões de 2019 a 2024, mas investigadores da PF estimam que o rombo aos beneficiários tenha sido ainda maior e que o esquema tenha iniciado antes de 2019.
Os primeiros inquéritos foram instaurados pela PF somente em 2023, de acordo com o delegado. Ele confirmou à Comissão de Segurança Pública que parte acabou enviada para as Polícias Civis dos estados por entender que os danos eram específicos dos segurados e por se tratarem de possíveis crimes de estelionato. Chama atenção, no entanto, que naquele período as entidades agora investigadas já respondiam a quase 70 mil processos por descontos indevidos.
Entre os exemplos de processos remetidos à Polícia Civil esteve um destinado a Santos (SP) ainda no ano de 2023. Segundo o ex-coordenador-Geral de Repressão a Crimes Fazendários da PF, somente em 2024, após cogitação de um megaesquema fraudulento ser divulgado pela imprensa, a coordenação da PF identificou que o caso “precisaria de um tratamento especial”. “Até então não tínhamos a dimensão do tamanho desta fraude”, disse à Comissão de Segurança Pública.
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13 inquéritos investigam fraudes no INSS por todo o Brasil
Em junho do ano passado a Polícia Federal recebeu um relatório da CGU indicando as cifras bilionárias e, a partir disso, houve o que Sousa chamou de “virada nas investigações”. Um mês depois, em julho, uma operação da Polícia Civil em São Paulo começou a dar mais visibilidade ao esquema. Aquela operação foi contra apenas uma associação que se beneficiou de descontos milionários.
Ainda no ano passado, a apuração da PF foi incrementada. Só aí surgiu o procedimento considerado “inquérito mãe” que culminou com a operação Sem Desconto e seus desdobramentos.
Ao todo são 13 frentes de investigação em diferentes estados do país, mas os dados apurados pelos investigadores acabam remetidos à Direção Geral, em Brasília. Os inquéritos apuram corrupção passiva, utilização de dados falsos para possibilidade de fraudes e violação de dados funcionais.
O delegado também afirmou à Comissão de Segurança Pública que das 30 entidades que recebiam valores bilionários descontados da folha de pagamento de aposentados do INSS, somente 11 foram investigadas porque concentravam cerca de 90% dos valores rastreados.
No entanto, a expectativa é que as investigações mirem todas elas. As outras 19 não tiveram o nome oficialmente divulgado e novas etapas da investigação devem ser deflagradas nas próximas semanas.
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Como funcionava o esquema de descontos ilegais
O esquema bilionário de fraudes no INSS funcionava por meio de associações e sindicatos que ofereciam, de forma irregular ou fictícia, serviços como assessoria jurídica e convênios com academias e planos de saúde, sem ter estrutura para prestar tais serviços.
Em alguns casos essas entidades estavam a milhares de quilômetros dos aposentados. Para cobrar por esses supostos benefícios, as entidades realizavam descontos mensais diretamente na folha de pagamento de aposentados e pensionistas, operação que deveria ocorrer apenas mediante autorização expressa do segurado.
Segundo a PF e a CGU, em muitos casos, os descontos eram realizados sem qualquer consentimento, mediante a falsificação de documentos para simular o aval dos beneficiários.
Além disso, foi constatado que as entidades envolvidas frequentemente não apresentavam ao INSS a documentação necessária para formalizar os acordos que permitiriam os descontos, contrariando as normas legais.
A prática ilegal provocou um salto expressivo no volume de recursos retidos, passando de R$ 617 milhões em 2019 para R$ 2,8 bilhões em 2024. A CGU, após realizar entrevistas com mais de 1,3 mil beneficiários, identificou que 97% deles nunca autorizaram as operações.
Em alguns casos, um mesmo aposentado teve descontos simultâneos para diversas entidades no mesmo dia.