Em meio à disputa comercial iniciada por Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viaja à China em busca de novos acordos. O petista desembarcou no país neste sábado (10) acompanhado de ministros e parlamentares, com o objetivo de fortalecer as relações comerciais com o governo chinês. A iniciativa é vista como uma aposta dos dois países para diante da política protecionista do presidente norte-americano Donald Trump.
Durante o período na China, Lula pretende assinar pelo menos 16 novos acordos e atos com o governo chinês – além de avançar na negociação de outros 32 –, que abrangem investimentos, comércio, inovação, tecnologia e desenvolvimento sustentável. A expectativa, conforme informou o Palácio Itamaraty, é ampliar a parceria estratégica e diversificar as exportações brasileiras para o país.
“O que nós queremos é diversificar nossa pauta exportadora com a China e diversificar os investimentos, as parcerias com a China, procurando atraí-la para esse projeto de neoindustrialização, de capacitação tecnológica, de transição energética”, declarou o embaixador e secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, Eduardo Paes Saboia.
Para o professor João Nyegray, especialista em Negócios Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), essa nova investida na China é uma estratégia de reposicionamento do governo brasileiro no cenário global. Essa movimentação, para o analista, tem relação direta com as crescentes tensões entre Pequim e Washington, além do protecionismo comercial adotado por Donald Trump.
“Essa nova rodada de acordos deve ser lida dentro de uma lógica de ‘parcerias estratégicas ampliadas’, em que os países não se limitam à troca de bens, mas passam a desenvolver projetos estruturantes de longo prazo. Em tempos de fragmentação geopolítica e guerra comercial entre grandes potências, esses acordos servem para melhorar a posição estratégica do Brasil frente às instabilidades externas. A questão é a partir de quando esses acordos nos trarão benefícios concretos – e não me parece ser logo”, pontua Nyegray.
Além de buscar estreitar laços com o país que ocupa a posição de maior parceiro comercial do Brasil, Lula também tem a intenção de atrair investimentos em infraestrutura, tecnologia e energia – áreas que são consideradas fundamentais para o desenvolvimento sustentável que o Brasil almeja liderar. Projetos de mobilidade urbana, ferrovias, energia renovável e semicondutores estão no centro das negociações com os chineses.
“Me parece parte de um movimento de inserção ativa, com o objetivo não apenas de exportar commodities, mas de reposicionar o Brasil como agente relevante na economia do futuro – em especial num ano em que sediaremos a COP-30 e que somos presidente do grupo dos Brics (bloco de nações emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia), avalia o professor João Nyegray.
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Lula tem buscado investir na relação política com a China, embora afirme que as relações entre os dois países sejam pautadas pelo comércio. A identificação política e ideológica com o autocrata chinês, Xi Jinping, bem como o desejo dos dois líderes por uma nova ordem mundial que questiona a hegemonia dos Estados Unidos estão entre as principais razões.
As novas investidas de Lula na China agora ganham uma nova justificativa e têm sido respaldadas pela instabilidade econômica no cenário internacional causada por Donald Trump. Desde que retornou à Casa Branca, o republicano deu início a uma agenda econômica considerada protecionista.
Trump reforçou sua política tarifária focada na elevação de tarifas de importação, especialmente sobre produtos chineses, com o objetivo de reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos, proteger indústrias nacionais e incentivar a produção interna. O americano impôs taxas a produtos como carros, aço e alumínio, além de ter imposto tarifas recíprocas aos países que, segundo ele, mantêm barreiras comerciais contra produtos e serviços dos EUA. O Brasil foi um desses afetados.
Sem conseguir escapar da política tarifária do líder republicano, o governo brasileiro tem buscado alternativas através de novos mercados para mitigar os efeitos da política do presidente americano.
Em março, na tentativa de expandir o comércio do Brasil, Lula fez viagens ao Japão e ao Vietnã. No Vietnã, o petista negociou a abertura do mercado local para a carne bovina brasileira e anunciou acordos com o país. Em Tóquio, Lula tentou destravar o comércio de carne bovina in natura e avançar no acordo do país com o Mercosul, mas não obteve sucesso. Contudo, anunciou uma venda de aviões da Embraer para o governo japonês.
A visita à China, de acordo com analistas consultados pela reportagem, segue a mesma lógica. Na última semana, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, esteve em Pequim e em Xangai a pedido do presidente Lula em busca de destravar parcerias com empresas chinesas, especialmente na área de infraestrutura.
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Lula tem sido um crítico frequente da política de Donald Trump desde que o republicano retornou à Casa Branca. Na última sexta-feira (9), durante visita que faz à Rússia, o petista voltou a criticar o presidente dos Estados Unidos. Em reunião bilateral com Vladimir Putin, Lula afirmou que as políticas de Trump “jogam por terra a grande ideia do livre comércio”.
“As últimas decisões anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos de taxação comercial com todos os países do mundo de forma unilateral joga por terra a grande ideia do livre comércio, joga por terra a grande ideia do fortalecimento do multilateralismo e joga por terra muitas vezes o respeito à soberania dos países que nós temos que ter”, afirmou Lula.
A crítica integra um discurso mais amplo do presidente brasileiro, que tem apontado os Estados Unidos como um dos principais responsáveis pelas tensões comerciais e pela desestabilização das cadeias globais de valor. Em recente entrevista à revista americana The New Yorker, Lula afirmou que a China passou a ser tratada como “inimiga” desde que se tornou competitiva no mundo, o que a fez alvo de grandes potências ocidentais, como os Estados Unidos e nações da União Europeia.
O mandatário brasileiro também enalteceu o papel chinês na área tecnológica e afirmou que a presença da China no setor representa uma alternativa importante diante do domínio histórico dos Estados Unidos. “Precisamos dizer: graças a Deus temos a China, que, do ponto de vista tecnológico, é muito avançada e pode competir no mundo tecnológico da inteligência artificial, nos dando uma alternativa nesse debate”, declarou à The New Yorker.
Ainda à revista norte-americana, o brasileiro minimizou a falta de diálogo com Trump e declarou que não houve “interesse” em falar com o republicano.
“Se, como representante do Estado americano, ele quiser falar com Lula, o representante do Estado brasileiro, falarei com ele com calma. Mas até agora também não tive interesse em falar com ele. Se eu tiver algum problema e precisar ligar para ele, eu ligo”, afirmou o petista.
Enquanto o diálogo com Trump fica em segundo plano, Lula faz sua quarta visita à China. Mas além dos interesses por parte do governo brasileiro, analistas chamam atenção para estratégia de Xi Jinping em se aproximar de nações latino-americanas, africanas e sul-asiáticas.
“Não existe “vácuo de poder” em geopolítica. Na medida em que os EUA se retiram de fóruns multilaterais importantes e viram as costas a aliados tradicionais, a tendência é de que outra potência assuma esse lugar”, pontua o professor da PUC-PR João Nyegray, ao explicar que a China tem se preparado política e economicamente para ocupar a posição de maior potência mundial – posto que há décadas pertence aos EUA.
“A China tem intensificado a sua diplomacia econômica com países da África, da América Latina e do Sudeste Asiático como forma de contrabalançar o cerco comercial e tecnológico imposto pelos EUA, especialmente com o retorno de Donald Trump ao poder. Aqui, me parece que a visita de Lula à China, para Pequim, reforça a sua rede de alianças com países do Sul Global, sinalizando que continua sendo uma alternativa viável e estável à influência americana”, afirma.
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As ambições de Lula em território asiático, no entanto, podem trazer consequências para o Brasil. A aproximação cada vez mais explícita com a China tende a acirrar as tensões com os Estados Unidos, especialmente sob a liderança de Donald Trump. “É muito provável que vejamos um endurecimento do discurso de Trump contra países que aprofundem relações com a China”, avalia João Nyegray, professor de negócios internacionais da PUC-PR.
“Nesse sentido, o Brasil poderá enfrentar tanto uma pressão geopolítica dos EUA, especialmente em fóruns multilaterais, quanto uma maior dificuldade em obter concessões comerciais dos americanos, sobretudo se houver alinhamento explícito com Pequim”, declara.
Além disso, Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais e CEO da Amero Consulting, avalia que o país ainda pode se tornar alvo de sanções americanas, devido ao impasse enfrentado com o Supremo Tribunal Federal (STF), agravado pelo cenário interno de instabilidade institucional. “O Brasil está correndo um risco muito grande, não só pelas tarifas, mas devido a um desafio diplomático e geopolítico”, diz.
“O Brasil vai ser taxado não só pelo Donald Trump, mas há o risco de que a situação do STF contra as empresas americanas possa gerar novas tarifas ou sanções para o Brasil. Isso não é descartável. Isso está muito claro nas ações do governo americano contra o STF e isso pode impactar o comércio interno”, avalia Lucena.
Por outro lado, Nyegray avalia que o Brasil pode ganhar alguma margem de negociação, desde que adote uma postura mais pragmática e mantenha um diálogo aberto com ambos os polos de poder. “A chave está em manter a autonomia estratégica, evitando alinhamentos automáticos e reforçando a imagem de “potência intermediária” que dialoga com todos e atua com base no próprio interesse – o que não é necessariamente fácil nesse mundo tão fragmentado”, disse à Gazeta do Povo.