O novo pacote fiscal do governo, feito de bloqueio de verbas e aumento de imposto, foi chamado de lambança, improviso, misto de arrogância e amadorismo. Provavelmente é tudo isso. Mas essas avaliações, focadas na forma como a equipe econômica comunica decisões, fogem do essencial.
O mais relevante é o reconhecimento público, por parte do governo, de que nem a maior carga tributária da história é suficiente. Para dar conta de suas demandas, Lula e companhia precisam de ainda mais dinheiro do contribuinte.
No ano passado, o setor público (União, estados e municípios) abocanhou 32,3% de toda a riqueza produzida pelo país. Os tributos federais corresponderam a 21,4% do PIB*. Em ambos os casos, foram os maiores percentuais já registrados pelo Tesouro Nacional.
O IOF, sozinho, rendeu R$ 69 bilhões aos cofres da União. Valor capaz de desbancar um recorde que já durava treze anos – até então, a maior receita com o imposto havia sido alcançada por Dilma Rousseff.
Ainda assim, não foi o bastante para equilibrar as contas do governo.
Com a alavancada no IOF, o ministro Fernando Haddad pretendia levantar cerca de R$ 41 bilhões por ano. Foi forçado a voltar atrás em parte das medidas, mas, pelas contas dele, ainda pode conseguir uns R$ 37 bilhões – um extra equivalente a 0,3% do PIB de 2024.
Se confirmada a expectativa, o ganho anual com o IOF vai subir mais de 50% e superar os R$ 100 bilhões. É o que o ministro chama de ajuste pontual. Com o conforto de não depender de aval do Congresso, pois tributo dito regulatório pode ser elevado por decreto.
E por que tamanho aperto no pagador de impostos? Porque o governo não quis apertar mais o próprio cinto.
Governo subiu imposto porque não quis cortar mais despesas
Classificar o pacote de “erro de comunicação” ou “tiro no pé” é presumir que havia ali algo de bom a comunicar, mas que acabou mal divulgado. Não é o caso.
O congelamento de R$ 31 bilhões do Orçamento foi elogiado pelo mercado, por dar mais realismo às finanças públicas. Mérito nenhum. Bloqueio dessa monta só reitera que eram fantasiosas as contas anteriores.
Como sempre, o Orçamento original preparado pelo governo combinava receitas infladas e gastos subestimados – inclusive os obrigatórios, de fluxo previsível, como as aposentadorias.
O aumento do IOF, por outro lado, foi recebido como “a má notícia que estragou o dia”. Quando, na verdade, foi a opção que restou a quem não fez o suficiente na ponta das despesas.
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Quando explica a situação fiscal, o ministro da Fazenda fala sempre do que falta arrecadar. Queixa-se do excesso de benefícios tributários e de quem vive de fazer lobby por desoneração – e tem razão nisso, como também tinha Paulo Guedes quando fazia o mesmo.
Haddad, porém, omite que boa parte das renúncias fiscais foi concedida nas gestões anteriores do PT. E que o governo atual recorre ao mesmo expediente ao criar incentivos para indústria, estaleiros, data centers – o próprio ministro propagandeou estes últimos em visita aos EUA.
E há o principal. Mesmo com a União abrindo mão de mais de 4% do PIB em receitas, a carga tributária nunca esteve tão alta, como dissemos acima. E nem assim cobre as despesas. Seria o caso de conferir o que se passa com elas.
É bem verdade que o Congresso, desde sempre, fez sua parte para elevar os gastos. Nos últimos anos tem aumentado a fatura das emendas parlamentares, e agora mesmo trabalha para instituir um piso de despesas militares, associado ao Ministério da Defesa.
Mas foi Lula quem restabeleceu o reajuste real obrigatório do salário mínimo, que infla alguns dos maiores desembolsos do governo, como Previdência e auxílios. Foi ele quem retomou os pisos de gastos com saúde e educação. Quem ampliou o Bolsa Família, ainda mais do que Bolsonaro já havia feito. E quem acaba de prometer gás de graça para 22 milhões de famílias.
Tamanha generosidade tem um preço, pago por quem sustenta o Estado. Está aí o IOF para provar.
*A Fazenda vai argumentar que não fica com tudo, pois parte do que arrecada é repassada, por obrigação legal, aos governos regionais – cujas cargas tributárias, por sinal, também bateram recorde em 2024 (caso dos municípios, com 2,4% do PIB) ou chegaram perto (estados, com 8,5% do PIB). Para o pagador de impostos, importa é que ele está pagando mais.
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