Líderes da oposição discutem internamente um recuo em relação ao projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro e cogitam aceitar a instalação de uma comissão especial para discutir o texto. O movimento ocorre depois de o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sinalizar que a proposta não seria levada diretamente ao plenário da Casa.
A comissão especial, se instalada, teria até 40 sessões para discutir o texto antes da votação no plenário. O acordo para instalação do colegiado é visto como um recuo por parte do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que pressionava para que um requerimento de urgência fosse pautado por Motta.
O pedido de urgência chegou a ser apresentado pela oposição ainda em abril com aproximadamente 260 assinaturas, mas o presidente da Câmara costurou um acordo com os demais líderes para que o tema não fosse pautado.
“Eu inclusive sugeri ao presidente Hugo Motta que criasse então uma comissão especial porque o fato de o tema ficar parado também causa muita angústia a todas as famílias, a todos os envolvidos e a nós que queremos essa justiça o mais rápido possível”, declarou a líder da minoria, deputada Caroline de Toni (PL-SC).
A proposta inicial, aprovada no ano passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevê anistia para todos os que participaram de manifestações com motivação política ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, entre 8 de janeiro de 2023 e o dia de entrada da lei em vigor. A expectativa da oposição é de que, se aprovada, essa anistia ampla e irrestrita também se estenda a Jair Bolsonaro.
O ex-presidente é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) no processo da suposta tentativa de golpe de Estado. Segundo Carol de Toni, a oposição está “relutante” em aceitar um texto que trate de uma anistia moderada, e não total.
A deputada repetiu que, no entendimento da oposição, “não houve qualquer tentativa de golpe” no 8 de janeiro, “apenas uma manifestação mais contundente”. O presidente da Câmara, no entanto, já sinalizou que não adianta o Congresso aprovar um texto que poderá ser vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou, posteriormente, declarado inconstitucional pelo STF.
Segundo o líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), o próprio Hugo Motta teria sinalizado ao grupo que a proposta de anistia ampla e irrestrita não passaria no Senado e não teria o aval do poder Judiciário.
“Ele falou: ‘Eu pauto este texto, mas ele não passa no Senado e, principalmente, nem perto no STF, que pode torná-lo inconstitucional’. A minha vontade era de pedir para que ele paute. Mas eu tenho que realmente refletir se vai dar o resultado efetivo de tirar essas pessoas que estão presas injustamente. Então, nesse sentido, eu não posso ser irresponsável de querer pautar”, explicou Zucco ao programa Arena Oeste, da Revista Oeste.
Oposição apresenta novo texto, mas proposta ainda não tem o aval de Motta
Para tentar convencer o presidente da Câmara a dar andamento ao tema, a oposição apresentou um novo texto, que restringe a anistia apenas para aquelas pessoas que estiveram presentes na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A nova versão diz que os que participaram “diretamente de manifestações” devem responder pelos crimes de depredação e atentado contra a integridade física de policiais e seguranças, mas não por tentativa de golpe de Estado.
“Apresentamos este texto ao projeto de lei da anistia, a fim de que cidadãos brasileiros sejam condenados pelos crimes que realmente cometeram nas referidas manifestações. Defendemos que eles sejam responsabilizados, civil e penalmente, pela depredação de bens públicos e privados, pelo atentado contra integridade física de policiais e seguranças, exceto por abolição violenta do Estado democrático de direito ou golpe de Estado”, diz trecho da justificativa da proposta.
A proposta foi apresentada pelo líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), mas não teve uma sinalização por parte de Hugo Motta. O parlamentar fluminense resiste em aceitar a instalação de uma comissão especial e tem defendido que a bancada da oposição mantenha a mobilização, para que o requerimento de urgência seja pautado em plenário.
Na mesma linha, o deputado Domingos Sávio (PL-MG) também defende que Motta atenda ao pedido da oposição para que a proposta seja analisada no regime de urgência. O parlamentar, contudo, aposta que a bancada do PL precisa dialogar com o presidente da Câmara.
“O que eu reivindiquei ao presidente [Motta] é que se vote o requerimento de urgência e que nós confiamos nele para que conduza o processo. E, se ele entender que seja através de uma comissão especial, eu ponderei que, desde que ela tenha prazo e que seja para solucionar o problema, é uma alternativa regimental e que eu entendo que nos atende”, afirmou Sávio.
A expectativa dentro da oposição, segundo o deputado Luciano Zucco, é de que um acordo viabilize o andamento da proposta ainda neste semestre. O Congresso entra em recesso a partir do dia 18 de julho e retoma os trabalhos em 1º de agosto.
Governo não acredita que anistia será discutida na Câmara
Na contramão da oposição, os parlamentares da base do governo Lula não acreditam que a proposta da anistia vai sair da gaveta de Hugo Motta. A avaliação entre os petistas é de que a bancada do PL resiste ao texto alternativo, pois a medida não beneficiaria Bolsonaro, e o presidente da Câmara já indicou que não quer se indispor com o STF.
“Nós achamos que esse não é um tema. Não existe essa história de falar de anistia, de discutir anistia no começo de um julgamento. Porque o projeto de anistia é tão amplo que abrange Bolsonaro e os generais militares que estão presos por aquela tentativa de assassinato do presidente Lula e do [ministro do STF] Alexandre de Moraes”, afirmou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
O petista disse ainda “sentir” que a oposição, especialmente a bancada do PL, tem “necessidade de voltar ao assunto quase que como uma obrigação”. “Na minha opinião, o presidente Hugo Motta já se posicionou de forma clara. Acho que já tem uma convicção de que não dá para ser pautado assim. Tudo continua na mesma, não vejo possibilidade de pautar a anistia”, completou.