No programa Última Análise desta quinta-feira (29), os comentaristas falaram a respeito dos privilégios do Judiciário brasileiro, órgão que, à diferença de outros, parece imune a críticas e a verdadeiras transformações, assemelhando-se a uma casta. Jornalistas que ousam criticar juízes ainda sofrem duras punições, como no caso da jornalista do Zero Hora, condenada a pagar R$ 600 mil a uma desembargadora, e também da Gazeta do Povo, vítima de assédio judicial em 2016, por divulgar remunerações de magistrados acima do teto constitucional.
O advogado André Marsiglia lembra que magistrados, antes de tudo, são servidores públicos. Assim, sendo a sociedade quem paga os salários dos juízes, a divulgação das remunerações é de seu interesse. “Infelizmente no Brasil as questões relacionadas ao Judiciário são tratadas como secretas, como se fizessem parte de uma ‘casta’ que não deve satisfações”, critica.
Já o escritor Francisco Escorsim aponta a “hipersensibilidade” de muitos juízes brasileiros, contrastando com o caso da Corte Europeia de Direitos Humanos, em que se pressupõe que as críticas a eles devem ser ainda maiores do que para cidadãos comuns.
Sobre o papel do Judiciário dentro de uma República, o professor Daniel Vargas, da FGV, explica que este garante a credibilidade do sistema e, portanto, deve ainda mais satisfações à população. “A magistratura é uma espécie de sinalizador público da credibilidade do regime. Se algum desvio acontecer, ela deve intervir para preservar nossas liberdades”, argumenta. Na visão de Vargas, entre um juiz e a República há um “celibato cívico” que, por um lado, garante altos salários e, por outro, cobra uma conduta irrepreensível.
Condenação imoral e injustificada
Em relação à condenação da jornalista do Zero Hora, Escorsim critica a motivação da decisão. “O dever do Judiciário é proteger a liberdade da imprensa e não cerceá-la. Ainda mais quando tem evidentemente um interesse público na informação.” Ele lembra que a própria jurisprudência do STF permite tais críticas. Neste caso, porém, essa prerrogativa foi ignorada.
A divulgação da remuneração da desembargadora teria ferido sua “honra”, conforme o processo judicial. Marsiglia explica, porém, que aqui há uma importante distinção a ser feita: a honra objetiva é a reputação e a subjetiva, a autoimagem, sendo a primeira passível de crítica, pois se relaciona ao exercício da profissão. “O problema é que muitos veem a função como uma extensão da própria personalidade e não como um cargo que está sendo ocupado”, ele afirma.
Quem controla os controladores?
Os comentaristas também fizeram uma análise sobre a falta de controle sobre o Judiciário, sobretudo o STF. Escorsim relembra que, após a ditadura militar, tanto o Executivo quanto o Legislativo passaram por transformações. O Judiciário, porém, foi blindado de suas corresponsabilidades e de sua contaminação pela cultura autoritária do passado. “Por isso, hoje o Judiciário se parece com uma casta”, avalia.
Já Vargas reforça que esse controle deve ser feito pelos outros poderes da República e também pela elite intelectual da cultura pública. Segundo ele, esta última “criaria uma exigência alta de sofisticação, de mérito e de rigor que acabaria maturando e qualificando o funcionamento do regime” – aperfeiçoando assim a magistratura.
O programa Última Análise faz parte do conteúdo jornalístico ao vivo da Gazeta do Povo, no YouTube. O horário de exibição é das 19h às 20h30, de segunda a quinta-feira. A proposta é discutir de forma racional, aprofundada e respeitosa alguns dos temas desafiadores para os rumos do país.