A direita brasileira pode ser preterida pela centro-direita nas eleições gerais de 2026 devido a embates na Justiça, em especial com o Supremo Tribunal Federal (STF). Com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) arrolados em causas judiciais, outros nomes também podem encontrar dificuldades no próximo pleito e deixar candidatos mais afeitos ao STF ganharem protagonismo.
O exemplo mais evidente é a inelegibilidade de Bolsonaro e a articulação do centrão para apresentar um nome mais de centro para disputar contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ex-presidente atualmente está sendo julgado pela Corte por suposta tentativa de golpe de Estado. Ele também se encontra inelegível desde 2023.
Nesse cenário, surge a pergunta: quem o STF, bem como o Tribunal Superior Eleitoral, poderá aceitar como candidato palatável da direita em 2026?
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a aceitação da Corte será um fator importante para que o establishment político decida por um nome, com ou sem o apoio do ex-presidente. Estando fortalecido nas pesquisas eleitorais, o governador Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo, é visto como o candidato “permitido” dentro do espectro mais próximo da direita.
Isso ocorre porque o chefe do Executivo paulista passou os últimos anos desenvolvendo um bom relacionamento com os ministros do STF, em especial o ministro Alexandre de Moraes. Outros nomes sem atritos com o Supremo são os dos governadores do Paraná, Ratinho Júnior (PSD) e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Ratinho ainda possui um bom trâmite com magistrados, mesmo sendo apoiador de Bolsonaro. Zema tem se tornado mais vocal contra o STF. Ele criticou pela primeira vez em março as ações do Supremo contra os manifestantes de 8 de janeiro. Zema desaprovou a prisão da cabelireira Débora Rodrigues, que pichou com batom uma estátua do STF.
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que o Supremo Tribunal Federal (STF) “converteu-se em uma variável interveniente e, por vezes, em uma variável principal, de primeira grandeza”, dado que boa parte das decisões políticas do país acaba judicializada.
Gomes também chama atenção para o fato de que o Tribunal Superior Eleitoral, que tem poder para rejeitar candidaturas, não é independente do STF. “Parte da Corte Eleitoral é composta por ministros da Suprema Corte no exercício de suas funções”, lembra. Para ele, isso faz com que “o processo de arbitragem eleitoral brasileira seja influenciado, contaminado de alguma maneira e movido também por esse alinhamento de forças entre a Suprema Corte e o partido do governo”.
Expoentes e parlamentares da direita estão na mira da Justiça
Nos últimos meses, diversos expoentes da direita brasileira passaram a enfrentar investigações, ações judiciais e condenações que colocam em xeque suas trajetórias políticas. O caso mais recente envolve o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se tornou alvo de um inquérito autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A investigação, solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), apura se o parlamentar articulou com autoridades internacionais, como congressistas dos Estados Unidos e membros da OEA, para pressionar o Judiciário brasileiro e aplicar sanções contra o próprio Moraes.
O influenciador digital e empresário Pablo Marçal (PRTB), que disputou a prefeitura de São Paulo em 2024, também foi condenado à inelegibilidade por oito anos. A decisão, proferida pela Justiça Eleitoral paulista, aponta abuso de poder político e econômico, uso indevido dos meios de comunicação e captação ilícita de recursos.
Além disso, Marçal responde criminalmente por colocar em risco a vida de 32 pessoas durante uma expedição ao Pico dos Marins, em 2022, quando liderou um grupo sem preparo técnico adequado, resultando em uma operação de resgate de grande porte.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), por sua vez, foi condenado ao pagamento de R$ 200 mil por dano moral coletivo. A sentença decorre de um episódio ocorrido no plenário da Câmara dos Deputados, em 2023, quando o parlamentar usou uma peruca e fez declarações consideradas transfóbicas, gerando forte reação de movimentos sociais e entidades de direitos humanos.
Outro nome de destaque que enfrenta complicações judiciais é o do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ). O Ministério Público Eleitoral pediu sua inelegibilidade por oito anos, acusando-o de abuso dos meios de comunicação durante a campanha pela prefeitura de Niterói (RJ) em 2024. Segundo a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, Jordy teria utilizado o jornal O Fluminense para atacar seu adversário político, Rodrigo Neves, em benefício próprio. O caso está no Tribunal Regional Eleitoral do Rio.
Já o ex-diretor da Abin e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) tornou-se réu no STF por sua suposta participação em uma organização criminosa que teria atuado para tentar reverter o resultado das eleições de 2022. Ele é acusado de integrar o núcleo que teria planejado um suposto golpe de estado.
Por fim, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) enfrenta uma queixa-crime no STF por injúria e difamação contra Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais. Depois da nomeação de Gleisi como ministra responsável pela articulação do governo Lula com o Congresso Nacional, Gayer publicou em seu perfil no X que Lula ofereceu a ministra aos presidentes da Câmara e do Senado “como um cafetão oferece sua funcionária em uma negociação entre gangues”.
STF atua como bloco e amplia influência no processo eleitoral
O cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, observa que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passaram a agir de forma mais coesa desde a Constituição de 1988, o que, segundo ele, tem ampliado sua influência sobre o processo eleitoral.
“Desde a Constituição de 88, o modo como foi composto, não apenas o STF, mas o próprio TSE, essa confusão entre ministros do STF com presença também na mais alta corte eleitoral, acabou acontecendo. Hoje é muito difícil distinguir até onde vai o STF, até onde vai o TSE”, avalia Cerqueira.
Ele destaca que essa atuação impacta diretamente as eleições. “A importância desses juízes no processo eleitoral cresceu bastante, inclusive para criar interpretações da lei existente. Se não existe claramente uma lei votada pelo Congresso, eles interpretam, eles modificam, inclusive dentro do processo”, aponta.
Carregar o sobrenome Bolsonaro pode ser peso para Michelle frente ao Judiciário
Apesar de não possuir mandato, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro já aparece empatada com Lula em recentes pesquisas publicadas. No entanto, o fato de ser esposa do ex-mandatário poderá suscitar cautela nos ministros do STF. Seja disputando ao Palácio do Planalto ou ao Senado, a atual presidente do PL Mulher é vista como uma força eleitoral que não pode ser ignorada.
Ao contrário do marido, Michelle possui menos complicações na Justiça. Durante as investigações do caso das jóias sauditas, ela chegou a ser apontada como destinatária dos objeto, mas não foi citada pela Polícia Federal no relatório final da investigação que apurou suposta apropriação e venda ilegal de ítens que faziam parte do acervo presidencial.
Por outro lado, a ex-primeira-dama é investigada por denúncias de uso irregular do cartão corporativo da presidência da República, enquanto Bolsonaro esteve à frente do cargo. As suspeitas fizeram o líder do PT na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (PT-RJ), protocolar, em março deste ano, cinco requerimentos contra a ex-primeira-dama. Os pedidos foram apresentados ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF) e à Controladoria-Geral da União (CGU).
Para Juan Carlos Arruda, cientista político e CEO do think tank Ranking dos Políticos, uma eventual candidatura de Michelle Bolsonaro carrega um peso simbólico e ambíguo. “No caso de uma eventual candidatura de Michelle Bolsonaro, o fator simbólico do sobrenome pesa tanto a favor quanto contra”, afirma.
Segundo ele, o nome Bolsonaro ainda mobiliza uma base significativa, mas também pode despertar resistências.
“É inevitável que seu nome (Michelle) evoque a figura de Jair Bolsonaro, que teve embates públicos e jurídicos com a Corte. Isso pode gerar maior resistência, principalmente se a campanha adotar uma retórica de confronto.”
Ainda assim, Arruda pondera que o tratamento institucional à candidatura dependerá de outros fatores. “O tom adotado, as alianças políticas e o grau de adesão às regras eleitorais terão mais peso do que unicamente o sobrenome.”