reforma do Judiciário inicia com fim do foro privilegiado

Autor da PEC 08/21, que limita as decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal, o senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) defende que o fim do foro privilegiado aliado à contenção das monocráticas são pontos de partida essenciais para uma verdadeira reforma do Judiciário brasileiro.

Signatário do movimento “Muda Senado”, Oriovisto integrou o grupo de 18 senadores que, durante a eleição para presidência do Senado, em 2019, apresentou propostas para conter as hipertrofias do Supremo. Na época, os congressistas defendiam a abertura da CPI das Cortes Superiores e a tramitação acelerada da PEC da Reforma do Judiciário.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o senador paranaense afirmou que esses dois pontos são estruturais e alimentam uma relação de dependência entre parlamentares e ministros da Corte.

“Acho que o fim das decisões monocráticas, por si só, já seria um grande passo nessa reforma. Não precisamos esperar para fazer uma reforma completa. É claro que o nosso Judiciário tem problemas em todas as instâncias — não apenas nos tribunais superiores. Há questões sérias na Justiça Federal, na Justiça Estadual, na própria estrutura do sistema judiciário”, disse Oriovisto.

Ao longo da entrevista, o senador também comentou a situação da CPMI do INSS, elogiou o fim da reeleição aprovado no Senado e avaliou a fusão entre PSDB e Podemos, classificando o movimento como “natural” diante da fragilidade dos partidos médios e pequenos.

Confira a entrevista com o senador Oriovisto Guimarães na íntegra

O senhor defendeu recentemente que a PEC 8 [que limita as decisões monocráticas] tivesse andamento na Câmara. O texto teve uma tramitação complicada no Senado, com pressão do Supremo sobre os senadores. Acha que o projeto tem condições políticas hoje de avançar na Câmara?

Oriovisto Guimarães: Eu concebi essa PEC no final de 2019. Na época, o clima político era completamente diferente. Bolsonaro estava iniciando seu governo e não havia essa tensão entre o Supremo e o Congresso. A primeira vez que a PEC foi votada, muitos senadores da direita votaram contra. Lembro de ministros do Supremo ligando para colegas meus, pedindo que não votassem a favor.

A proposta foi rejeitada, e tive que esperar dois anos para reapresentá-la. Nesse período, houve tantas decisões monocráticas desastrosas que o Senado percebeu a importância da PEC. Ela foi aprovada, inclusive com o voto favorável do senador Jacques Wagner, líder do governo no Senado, o que gerou reação negativa no PT.

Fico triste de ver essa PEC sendo usada como instrumento de disputa entre os poderes. Ela não foi criada com esse propósito, mas para melhorar o país, fortalecer o Supremo e evitar erros decorrentes de decisões monocráticas.

O senhor acredita que uma reforma do Judiciário seria uma saída para esse embate institucional entre STF e Congresso, como propôs o movimento Muda Senado?

Oriovisto Guimarães: Sim, acho que o fim das decisões monocráticas, por si só, já seria um grande passo nessa reforma. Não precisamos esperar para fazer uma reforma completa. É claro que o nosso Judiciário tem problemas em todas as instâncias — não apenas nos tribunais superiores. Há questões sérias na Justiça Federal, na Justiça Estadual, na própria estrutura do sistema judiciário.

Existem muitos problemas que precisam ser resolvidos: questões de remuneração, de carreira… Mas tenho me dedicado especialmente ao fim das decisões monocráticas, porque acredito que esse seria o pontapé inicial de uma reforma mais ampla.

Veja, por exemplo, a questão da remuneração. No domingo retrasado, o jornal O Globo publicou uma reportagem mostrando que o Conselho Nacional de Justiça autorizou que, quando um juiz realiza qualquer trabalho fora da sua jurisdição, ele tem direito a um dia de folga a cada três dias trabalhados. Isso foi limitado a oito dias por mês.

Somando essas folgas com os 60 dias de férias e outras licenças, chega-se a 202 dias de folga por ano — num total de cerca de 251 ou 252 dias úteis. É claro que os juízes não tiram todas essas folgas, mas o problema é que eles convertem isso em dinheiro. Eles “vendem” essas folgas e recebem como verba rescisória — e, muitas vezes, isso fica fora do Imposto de Renda.

Ou seja, há muita coisa errada na nossa Justiça além das decisões monocráticas. Mas acredito que, se começarmos por aí, já será um grande avanço — especialmente dentro do clima atual.

Temos agora a possibilidade de sanções por parte dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes. Qual deveria ser o posicionamento do Senado em relação a isso?

Oriovisto Guimarães: Eu acho que essa questão externa é totalmente descabida. Nenhum outro país tem que se meter nos problemas brasileiros.

Não vejo razão para que qualquer nação venha tentar resolver as nossas questões internas. Da mesma forma, considero absurdamente errado o fato de o Lula ou a Dilma pedirem ajuda ao Xi Jinping, na China, sobre como regular as redes sociais no Brasil. Isso não é problema da China, nem de qualquer outro país — é um problema do Brasil.

Quem deve resolver isso é o Congresso Nacional, e não a China. Da mesma forma, qualquer desmando que aconteça, ou qualquer erro cometido pelo ministro Alexandre de Moraes — ou por qualquer outro ministro —, não é problema dos Estados Unidos. É o Congresso Nacional que deve tomar as medidas cabíveis. Se for o caso, até mesmo instaurar um processo de cassação de mandato, como prevê a lei.

Impeachment de ministros também seria um caminho?

Oriovisto Guimarães: Eu acho que o processo de impeachment nunca vai acontecer no nosso país. Pelo menos enquanto houver essa relação espúria que existe hoje, que é feita com base no foro privilegiado. Hoje, qualquer senador, deputado ou até mesmo o presidente da República tem o chamado foro privilegiado. O que isso significa? Se eu sou senador e cometo algum deslize, um juiz comum não pode me julgar. Apenas o Supremo Tribunal Federal pode fazê-lo.

Todos os parlamentares que têm algum problema com a Justiça acabam, invariavelmente, sendo julgados pelo STF. Isso cria uma dependência. A pessoa fica numa situação muito delicada: se fizer qualquer coisa contra o Supremo, como ficará o julgamento dela lá? Isso estabelece uma relação que tenho criticado muito — uma relação entre dois poderes em que um não interfere no outro. É como se dissesse: “Você não coloca para votar nenhum processo de impeachment, e eu não julgo seus casos aqui.”

Veja que os processos contra parlamentares se arrastam por anos e, no fim, não dão em nada. Por isso, defendo um projeto de lei — já aprovado pelo Senado e parado na Câmara — de autoria do [ex-]senador Álvaro Dias, do Paraná, que propõe o fim do foro privilegiado. Isso seria revolucionário. Se eu cometo um erro, sou julgado por um juiz comum. Se condenado, recorro à segunda instância, onde o julgamento é mais rápido. E, se for condenado novamente, caio na Lei da Ficha Limpa e não posso mais ser candidato.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já deu sinal verde para a CPMI do INSS. Como garantir que essa comissão não “acabe em pizza” em meio às disputas entre governo e oposição?

Oriovisto Guimarães: Demorei para assinar essa CPI. Assinei agora, recentemente — fui o 41º, o que garantiu a maioria necessária. Assinei porque acredito que é preciso fazer barulho, investigar, denunciar. A CPI tem esse papel.

Não acho que vá resolver o problema — nenhuma CPI resolve. Nunca resolveu. O que ela pode fazer é investigar, concluir e encaminhar as denúncias ao Poder Judiciário. Em tese, seria uma investigação mais isenta, mais transparente.

Mas, como se trata de uma CPMI, composta por deputados e senadores, o que vai acontecer? Já há parlamentares da oposição e até do PT que assinaram a favor. Eles vão participar da comissão, e é claro que vão defender o governo atual e atacar o governo anterior. Isso vira um jogo político — como se cada lado tivesse seu “bandido de estimação”.

Para mim, bandido é bandido. Havia gente envolvida em irregularidades no INSS durante o governo Bolsonaro? Havia, claro. E há também no governo Lula — talvez até mais, porque o volume de fraudes aumentou. O que importa agora não é fazer política, mas descobrir quem são os responsáveis. Como atuaram? Quem autorizou os descontos? Por que autorizaram?

Tivemos a aprovação da PEC que extingue a reeleição e altera regras eleitorais. Como essas mudanças podem afetar a eleição de 2026, ainda que só entrem em vigor em 2028?

Oriovisto Guimarães: Não vejo grande impacto em 2026, mas considero a proposta excelente. A reeleição é um mal para o país. O presidente é eleito e, no dia seguinte, já pensa em reeleição. Isso leva a políticas populistas e irresponsáveis, que geram desemprego, inflação e endividamento.

O mandato de cinco anos é mais razoável. E gostei também da equiparação dos mandatos: senadores passarão de oito para cinco anos, o que ajuda a unificar o calendário eleitoral. Com eleições a cada cinco anos, o Brasil economiza bilhões em campanhas, propagandas e estruturas logísticas. E os governantes se concentram mais em governar do que em se reeleger.

O senhor foi do Podemos e agora o partido está se fundindo com o PSDB, seu atual partido. Como enxerga essa fusão, o atual contexto do PSDB e a saída do governador Eduardo Leite?

Oriovisto Guimarães: O partido tem uma convenção marcada para discutir e votar a fusão com o Podemos. Na prática, um está se agarrando ao outro, porque ambos enfrentam dificuldades. Como mencionei, partidos pequenos perdem quadros valiosos. Veja o caso do Eduardo Leite: ele está saindo do PSDB porque sabe que o partido está pequeno, com pouco tempo de televisão e poucos recursos para bancar uma candidatura à Presidência da República.

Ele está buscando um caminho viável para essa candidatura. O PSD, do Gilberto Kassab, tem condições de lançá-lo com chances razoáveis. Não sei se houve negociação entre eles, mas lá ele teria essa possibilidade. No PSDB, do jeito que está, ele não teria chance nenhuma.

É muito ruim para o partido, que tende a desaparecer. O PSDB tem uma história linda: o Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, tantos políticos ilustres… Mas, com essa fusão, deixará de ser PSDB e também não será mais o Podemos. Surgirá um terceiro partido, que ainda está em construção. Será preciso votar um novo programa, um novo ideal. Só o tempo dirá o que esse novo partido será.

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