O Senado da Itália votou a favor da restrição do direito à cidadania, por meio do decreto-lei 36/2025, tema que vem gerando críticas de descendentes de italianos que buscam a documentação há anos.
A votação ocorreu nesta quinta-feira (15), segundo informou o perfil oficial do Senado nas redes sociais. “Com 81 votos a favor e 37 contra, a Assembleia aprovou com emendas o decreto-lei”.
A medida agora passa a ser analisada na Câmara dos Deputados, que tem até o dia 27 de maio para aprovar ou rejeitar o texto, sob o risco de perder a validade – na Itália, os decretos-lei devem passar pelo Parlamento dentro de 60 dias ou são anulados.
O direito à cidadania italiana atualmente segue o princípio do ius sanguinis (direito de sangue), ou seja, por descendência ou filiação, sem restrição de gerações. Com o novo texto, passará a ser reconhecido apenas as duas gerações de descendentes (filhos e netos) de italianos.
Em 28 de março, o governo da primeira-ministra Giorgia Meloni anunciou o decreto-leipara limitar a concessão de nacionalidade a descendentes de italianos no exterior, sob a justificativa de conter sua “comercialização” e o aumento de solicitações, especialmente da América do Sul.
A terceira fase dessa reforma obrigará os interessados em obter a nacionalidade a apresentar o pedido a um órgão do Ministério das Relações Exteriores e não poderão mais fazê-lo nos consulados.
Senadores acrescentaram emendas ao texto original
Rafael Gianesini, CEO e cofundador da Cidadania4U, explica que os senadores fizeram mudanças importantes no texto original proposto pelo governo
“O texto apresentado pelo governo defendia que, para ter direito à cidadania italiana, o requerente precisaria ser filho ou neto de italiano nascido na Itália. Então, se meu avô for nascido na Itália, eu poderia ter acesso à documentação, mas meu filho não. O texto atual do Senado tirou esse trecho de precisar ter nascido na Itália e mudou para que o meu pai ou avô deveria ter tido exclusivamente cidadania italiana”, explica Gianesini.
“Basicamente, os senadores retiraram o trecho ‘nascido na Itália’ e acrescentaram ‘exclusivamente italiano’, o que foi negativo para os descendentes ítalo-brasileiros”.
Mariane Baroni, diretora jurídica da Master Cidadania, afirma que a modificação da redação no Senado apenas tornou a “fórmula mais restritiva e indireta”.
“O texto fala agora de ‘ascendentes que tenham tido, até a morte, exclusivamente a cidadania italiana’. Embora menos explícita, essa nova formulação continua excluindo, na prática, a maioria dos imigrantes”, argumenta.
Segundo Baroni, “essa alteração ignora a realidade histórica da imigração e penaliza descendentes cujo ancestral se naturalizou em outro país, muitas vezes por imposição legal”.
Outra mudança, agora considerada positiva pelo CEO da Cidadania4U, é que uma das modificações dos senadores inaugurou um novo benefício no processo de cidadania: agora, foi criada uma janela de um ano para que as pessoas que tiveram filhos possam regularizar a cidadania.
“Por exemplo, suponhamos que eu já tenha cidadania italiana, mas nunca atualizei a documentação do meu filho de cinco anos nos consulados italianos. Com essa janela de um ano, eu poderei fazer isso. Meus futuros filhos também terão acesso a esse direito, isso foi uma melhora que não havia antes”.
Especialistas voltam a afirmar que o decreto-lei carece de constitucionalidade
Para Baroni, da Master Cidadania, “o decreto aprovado com o apoio de partidos da base governista tem o objetivo de restringir o acesso de descendentes de italianos – sobretudo na América do Sul – ao direito de sangue, constitucionalmente assegurado”.
Rafael Gianesini lembra que é a tese defendida pelo governo no decreto-lei entra em conflito com o que diz a legislação nacional.
“A lei italiana é originária, os ítalos-descendentes nascem cidadãos italianos e, quando a gente reconhece a cidadania italiana, isso é reconhecido desde o momento em que nascemos, então não depende de decisões judiciais ou da apresentação de documentos nos consulados. A pessoa é cidadã italiana desde o nascimento. No decreto-lei, o governo diz que apenas quem apresentou documentação até o dia 27 de março seria considerado detentor desse direito, excluindo os demais, isso retroage a lei, é completamente inconstitucional”.