O ditador Josef Stálin, que governou a União Soviética entre 1924 e sua morte, em 1953, foi um dos tiranos mais sanguinários da história. Porém, já há alguns anos sua imagem passa por uma “reabilitação” na Rússia, que este ano, quando se completam 80 anos da vitória dos Aliados sobre os nazistas, foi intensificada.
Um dos eventos mais simbólicos (literalmente) ocorreu no último dia 15, quando, durante as comemorações do 90º aniversário do Metrô de Moscou, foi inaugurado um alto-relevo na estação Taganskaya que mostra Stálin sendo saudado por trabalhadores, embaixo de uma imagem de Lênin.
Trata-se de uma réplica de um alto-relevo que havia sido instalado nos anos 1950, mas destruído em 1965, durante a campanha de desestalinização na União Soviética, após a exposição dos inúmeros crimes cometidos pelo ditador.
Também este mês, no dia 8, o Partido Comunista da Rússia, que apenas na teoria é oposição ao atual ditador Vladimir Putin (na prática, apoia o mandatário), inaugurou um monumento na Ucrânia com a imagem de Stálin.
O busto foi colocado numa praça na cidade de Melitopol, localizada na região de Zaporizhzhia e que está ocupada pelas forças russas desde março de 2022.
Trata-se de uma homenagem especialmente cruel, porque Stálin é odiado na Ucrânia, principalmente devido a um projeto de coletivização e confisco da produção agrícola entre 1932 e 33 que provocou a morte de pelo menos 2 milhões de ucranianos, tragédia (que muitos consideram ter sido intencional) conhecida como Holodomor.
O ditador soviético também perseguiu e mandou matar ucranianos durante o Grande Terror, entre 1936 e 38, e suprimiu o idioma e a cultura da Ucrânia.
Antes da inauguração do busto, em 29 de abril, Putin havia assinado um decreto para outra homenagem: dar ao Aeroporto Internacional de Volgogrado o nome de Stalingrado, como a cidade se chamou entre 1925 e 61.
O decreto justificou que a homenagem se dá no contexto das comemorações dos 80 anos da vitória sobre os nazistas, já que a então Stalingrado foi palco de uma das batalhas mais importantes da Segunda Guerra Mundial entre 1942 e 43, vencida pelos soviéticos.
Embora o decreto esclareça que a mudança diz respeito apenas ao nome do aeroporto e não ao da cidade, a associação com Stálin é imediata.
O que explica essa onda de homenagens a um dos tiranos mais infames de todos os tempos? Em artigo para o jornal The Moscow Times, Ian Garner, professor assistente de estudos sobre totalitarismo no Instituto Pilecki, em Varsóvia, destacou que a “reabilitação” do ditador não ocorre apenas por meio de monumentos e outras homenagens, mas também pela venda de calendários, bustos em miniatura e outros souvenires nas ruas de Moscou e com o compartilhamento de memes endeusando Stálin nas redes sociais.
“Já há mais de uma década, livros didáticos e lições escolares vêm retratando Stálin de uma forma cada vez mais positiva, transformando-o de um monstro repressivo em uma figura pública querida que venceu a chamada Grande Guerra Patriótica em nome do povo russo”, escreveu Garner.
O especialista destacou que é justamente a verve militar da era Putin que alimenta o culto a Stálin – vendido como símbolo num momento em que a Rússia, como fez na época do ditador (apesar da breve parceria contra os nazistas), agride países vizinhos e aumenta o antagonismo ao Ocidente.
“O culto a Stálin está profundamente ligado ao culto putinista à guerra, que se tornou tão fervoroso com suas catequeses, desfiles, feriados e templos que funciona como uma religião oficial do Estado”, afirmou Garner.