STF tende a limitar ainda mais imunidade parlamentar

A tentativa da Câmara dos Deputados de suspender integralmente a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), beneficiando também o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus acusados de tentativa de golpe, poderá receber uma resposta ainda mais dura do Supremo Tribunal Federal (STF) no que diz respeito à imunidade parlamentar.

Na semana passada, liderados por Alexandre de Moraes, os integrantes da Primeira Turma da Corte decidiram limitar a decisão ao parlamentar e aceitar a suspensão apenas para dois crimes, relacionados ao 8 de janeiro de 2023: dano qualificado e deterioração do patrimônio público tombado.

Ainda assim, chegaram ao STF duas ações, do PDT e do Psol, com o mesmo objetivo. A do Psol, no entanto, vai ainda mais longe, ao pedir que toda a decisão da Câmara seja considerada inconstitucional, o que manteria em andamento todas as acusações contra Ramagem. O partido argumenta que a imunidade não deve valer para crimes contra a democracia.

“A própria ideia de anistiar (ainda que temporariamente) crimes de tentativa de rompimento da ordem democrática é repugnante ao texto constitucional de 1988, que se fundou, ao contrário, na superação de um período de exceção exatamente por meio da restauração da justiça e da responsabilidade institucional. Não se pode admitir que a extrapolação da imunidade e das garantias parlamentares seja utilizada para blindar autores de ruptura institucional”, diz o Psol.

As ações do Psol e do PDT foram encaminhadas diretamente para Alexandre de Moraes, uma vez que é o relator dos processos do suposto golpe no STF.

Câmara tenta preservar imunidade parlamentar

O mesmo destino deve ter uma nova ação, anunciada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que o requerimento aprovado na Casa seja respeitado pelo STF. Ainda assim, a ação representa um recuo do que foi decidido: busca a suspensão integral da ação apenas para Ramagem, deixando de fora Bolsonaro e outros seis réus. Na prática, a medida paralisaria o processo contra o deputado pelos cinco crimes que ele responde: tentativas de golpe e de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano e deterioração do patrimônio.

O argumento da Câmara é que a regra da Constituição que permite ao Legislativo suspender uma ação penal contra um parlamentar tem por finalidade impedir perseguições políticas por meio de processos criminais.

“Ao restringir, de forma absoluta e desproporcional, o alcance da prerrogativa conferida constitucionalmente ao Parlamento, a decisão esvazia o papel do Poder Legislativo na contenção de eventuais abusos no exercício da persecução penal contra seus membros”, diz a ação da Câmara.

Parlamentares do entorno de Motta dizem que o objetivo com a nova ação no STF é fazer gesto ao Legislativo, e não criar um novo embate entre os Poderes. A ideia do presidente da Câmara é sinalizar aos seus pares que vai ele defender as prerrogativas dos deputados independentemente de ala política.

O resultado, no entanto, tende a ser inócuo na proteção das prerrogativas dos deputados, em razão de respostas e recados já dados pelos ministros no caso (leia na segunda parte desta reportagem).

Ao ser questionado sobre a decisão da Primeira Turma do STF nesta quarta-feira (14), Hugo Motta criticou o julgamento por meio de sessão virtual do colegiado e defendeu o recurso ao plenário da Corte. O presidente da Câmara sinalizou ainda que chegou a tratar do assunto pessoalmente com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. Ambos estão em viagem aos Estados Unidos, onde participam de um fórum com empresários.

“É um direito de um poder que tem uma decisão desfeita por outro poder recorrer, já que a vontade foi majoritária da Câmara, para que o plenário desse outro Poder possa tomar a decisão, e não apenas a turma em uma sessão virtual. Foi isso que nós fizemos ao apresentar a ADPF, para que o plenário do Supremo possa decidir sobre o assunto. A decisão da Câmara foi tomada e apoiada por mais de 300 deputados”, disse Motta aos jornalistas.

O deputado, no entanto, negou que o recurso signifique um embate entre Câmara e Judiciário. Segundo Motta, os dois poderes têm uma “boa relação”, marcada por diálogo e respeito. “Não vejo isso como um embate. É a Câmara defendendo o direito dela acerca de um parlamentar. Apenas isso”, completou.

As novas ações do PDT, do Psol e da Câmara deverão ser julgadas por todos os 11 ministros do STF. O tipo de ação apresentado – uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – exige deliberação do plenário da Corte, com mínimo de 6 votos para decidir pela constitucionalidade ou não de um ato do poder público.

Ainda não há data para julgamento, mas, nas ações do Psol e do PDT, Moraes determinou rito mais rápido: pediu manifestações das partes em até 30 dias e mais 15 para pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) – depois disso, o caso estará pronto para ser julgado.

No caso Ramagem, ministros deram duros recados à Câmara

Na decisão que negou a suspensão integral da ação contra Ramagem e Bolsonaro, Moraes e os ministros da Primeira Turma deram duros recados à Câmara, interpretando de forma restritiva a regra da Constituição segundo a qual o Legislativo pode sustar o andamento de um processo criminal contra um parlamentar.

A chamada imunidade processual está no artigo 53 da Constituição, e diz que “recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.

Ainda antes da decisão da Câmara, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin se manifestaram pela limitação da suspensão, de modo a beneficiar somente Ramagem e apenas sobre parte dos crimes de que foi acusado.

No julgamento, ocorrido de forma virtual (sem discussão presencial), Flávio Dino acompanhou Moraes, mas foi além. Disse que a suspensão não impede a prisão preventiva de um parlamentar beneficiado pela imunidade e que ela só deve ser aplicada para crimes supostamente cometidos após a última diplomação. Na prática, limita a proteção apenas ao atual mandato, não se aplicando a delitos de um mandato anterior. É uma interpretação ainda mais restritiva da imunidade parlamentar.

O mesmo entendimento foi usado por Moraes, na segunda (12), para rejeitar um pedido da deputada Carla Zambelli (PL-SP) para suspender sua ação penal, que entrou nesta semana na fase de julgamento, com maioria já formada pela condenação. Zambelli é acusada de mandar o hacker Walter Delgatti invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em agosto de 2022, para emitir um mandado de prisão falso contra Moraes e bloquear seus bens.

Ao rejeitar o pedido para suspender a ação penal, Moraes afirmou que o crime foi cometido antes da diplomação para o atual mandato – o ato, que permite a um deputado federal tomar posse no cargo, ocorreu em dezembro de 2022.

Além disso, Moraes afirmou que, como o julgamento final já foi iniciado, não haveria mais possibilidade de suspensão da ação penal – outra interpretação ainda mais restritiva da imunidade. “A instrução processual penal já foi encerrada, iniciando-se o julgamento para decisão final do Supremo Tribunal Federal, o que extingue qualquer possibilidade de atuação da Casa Legislativa”, escreveu.

No caso de Zambelli, a defesa pediu a suspensão do julgamento para que o STF aguardasse a deliberação da Câmara que poderia suspender a ação penal – o requerimento, apresentado em abril de 2024 pelo PL, até hoje não foi posto em votação. No caso de Ramagem, o pedido de suspensão foi votado e aprovado, com 315 votos favoráveis (apoio de 61% dos 513 deputados federais).

Na votação sobre o caso Ramagem, Moraes obteve apoio unânime dos outros quatro integrantes da Primeira Turma: Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.

Dino deu o voto mais duro. Além de restringir ao máximo a imunidade – válida somente para o parlamentar e para crimes ocorrido após a última diplomação –, o ministro passou recado à Câmara, insinuando que ela teria agido de forma tirânica.

“Somente em tiranias um ramo estatal pode concentrar em suas mãos o poder de aprovar leis, elaborar o orçamento e executá-lo diretamente, efetuar julgamentos de índole criminal ou paralisá-los arbitrariamente – tudo isso supostamente sem nenhum tipo de controle jurídico. Maiorias ocasionais podem muito em um sistema democrático, mas certamente não podem dilacerar o coração do regime constitucional”, escreveu.

Antes, afirmou que todos os atos da Câmara, mesmo de índole política, podem passar por revisão do STF. “A deliberação do Poder Legislativo não é imune ao controle jurisdicional, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF) notadamente em face da possibilidade de abusos e desvios. Caso contrário, a função jurisdicional seria meramente homologatória, em afronta ao princípio da separação dos Poderes”.

Ele citou decisão do STF de 2022 que derrubou o indulto que Bolsonaro havia concedido ao ex-deputado Daniel Silveira para extinguir sua condenação pelos ataques verbais dirigidos aos ministros.

Ao mencionar a questão nesta quarta-feira (14), Dino afirmou que, se a Corte não puder analisar a validade das decisões da Câmara dos Deputados, haveria a “dissolução da República”.

“Esses dias a Primeira Turma, presidida pelo ministro Zanin, em tema relatado pelo eminente ministro Alexandre de Moraes, se defrontou com esta ideia, de que a separação de Poderes impediria a Primeira Turma de se pronunciar sobre uma decisão da Câmara dos Deputados”, disse o ministro durante a sessão desta quarta.

O ministro afirmou que, caso esse argumento seja usado para impedir as prerrogativas de um tribunal, cada Poder poderia formar a própria República. “Ora, se assim fosse, nós teríamos uma dissolução da República. Porque aí cada Poder e cada ente federado faz a sua bandeira, o seu hino, emite a sua moeda e aí, supostamente, se atende à separação dos Poderes”, afirmou.

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