Voto de André Mendonça confronta atos de Alexandre de Moraes

O voto do ministro André Mendonça foi o primeiro a confrontar, no julgamento do Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal (STF), os atos do ministro Alexandre de Moraes nas investigações que ele conduz desde 2019.

Ao interpretar o artigo 19 da lei, editada em 2014, Mendonça afirmou que não há autorização para a suspensão, por tempo indeterminado, de perfis em redes sociais por publicações supostamente ilícitas de usuários. O que a norma objetiva é a remoção do postagens ofensivas específicas que sejam consideradas ilícitas pelo Judiciário.

“A supressão de perfis caracteriza hipótese de censura prévia”, disse Mendonça. A Constituição proíbe, em seu artigo 220, parágrafo 2º, “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

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A suspensão ou cancelamento de perfis é considerada censura prévia porque, além de excluir todo o conteúdo publicado por aquela pessoa na rede (incluindo, portanto, manifestações lícitas e legítimas), também impede que ela se manifeste no futuro.

“Ao suspender o perfil de determinado usuário ou o acesso aos serviços de toda uma plataforma digital em razão da ‘produção sistemática de desinformação’, por exemplo, busca-se impedir a veiculação de novas manifestações ante o risco de se consubstanciarem em novas transgressões ao ordenamento jurídico. Dito de forma direta: para evitar nova manifestação que possa configurar um ilícito, tolhe-se a possibilidade de qualquer manifestação”, afirmou Mendonça.

As decisões de Moraes que suspendem perfis partem da premissa de que a medida é necessária para interromper supostos crimes, concretizados pelo discurso, que colocariam em risco as instituições e a democracia. Na maior parte das vezes, a suspensão é aplicada por causa de postagens com críticas a ele, a outros ministros do STF, ou à condução das eleições pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em seu voto, Mendonça defendeu uma concepção mais ampla da liberdade de expressão, que dá ao cidadão o direito de desconfiar das instituições, ainda que sem razão. O erro deve ser confrontado, segundo Mendonça, mas não a pessoa que o expressa, e isso seria, no entender do ministro, a “genuína tolerância”.

“A Justiça Eleitoral brasileira é confiável e digna de orgulho. Se, apesar disso, um cidadão brasileiro vier a desconfiar dela, este é um direito. No Brasil, é lícito duvidar da existência de Deus, de que o homem foi à lua e também das instituições”, afirmou Mendonça, ao citar o promotor e jurista Samuel Fonteles.

Para André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão e de imprensa, a proposta de vetar a suspensão de perfis é inovadora no julgamento, uma vez que não foi abordada pelos antecessores de Mendonça a votar: Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. “Bloqueio de perfis é censura prévia porque censura no futuro um ilícito suposto”, diz.

Ele destaca a parte do voto em que Mendonça equiparou as redes a veículos de comunicação social, que, segundo a Constituição, não devem ser submetidos a leis que possam constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, proibindo “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Outra inovação apontada por Marsiglia quanto ao voto é a obrigação de decisões de remoção de conteúdo específico, como permitido pelo Marco Civil da Internet, serem disponibilizadas para as plataformas. Mendonça argumentou que as redes têm interesse em preservar a liberdade de expressão de seus usuários, uma vez que foram concebidas para troca de informações, ideias e conversas.

Daí o direito de recorrer das decisões de remoção de conteúdo. O problema é que muitas ordens de Moraes chegam às empresas apenas com uma notificação, sem a decisão com os motivos e fundamentos jurídicos da medida, o que prejudica a possibilidade de contestar. Em muitos casos, o usuário censurado também não sabe por que foi suspenso.

“Impõe-se a garantia, em favor das plataformas responsáveis pelo cumprimento de determinações judiciais de remoção de conteúdo específico, de que lhes seja franqueado o acesso à integralidade da decisão judicial a ser cumprida”, afirmou Mendonça.

“Por óbvio, a partir dos cânones procedimentais exigidos pelo devido processo legal, só se pode impugnar adequadamente a decisão cuja motivação se tenha acesso”, concluiu, acrescentando que a decisão deve ser fornecida mesmo quando o inquérito está sob sigilo, como ocorre com Moraes.

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André Mendonça defende autorregulação das redes

André Mendonça também propôs um modelo diferente dos antecessores para a regulação das redes sociais. Toffoli, Fux e Barroso apresentaram uma lista de crimes ou danos que as plataformas devem apagar imediata e automaticamente – o que abre o risco de censura em massa, em razão da subjetividade de temas politicamente sensíveis, especialmente para itens como crimes contra o Estado Democrático de Direito e “divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” sobre minorias ou o processo eleitoral.

Para escapar de multas, a partir de denúncias com interesses políticos ou juízos ideológicos, as plataformas tenderiam a apagar tudo que se relacione a políticos, autoridades, instituições ou minorias.

Mendonça reconheceu, em primeiro lugar, que as empresas já têm se empenhado em remover publicações nocivas e objetivamente criminosas, tais como anúncios de golpes financeiros, exposição de crianças, incitação a terrorismo, etc.

Uma porcentagem ínfima, segundo ele, vai para a Justiça, e geralmente está relacionada a casos difíceis, em que a liberdade de expressão se choca com a honra e imagem de pessoas que se dizem ofendidas, ou mesmo a conteúdos críticos a agentes públicos. Esses casos, defendeu, devem permanecer avaliados pelo Judiciário, não pelas próprias plataformas, que tenderiam a apagar as postagens para evitar multas.

Para lidar com a maioria dos outros casos, Mendonça defendeu o modelo de “autorregulação regulada”, pelo qual as plataformas são responsáveis por aplicar de forma efetiva regras de moderação de conteúdos de seus termos de uso – e que sempre coíbem conteúdos claramente perigosos, discriminatórios, fraudulentos ou ameaçadores –, cabendo ao Estado verificar, a fundo, se elas estão fazendo as regras internas serem cumpridas, removendo postagens evidentemente danosas.

“Alteração de foco: deixar de mirar na responsabilidade pela remoção do conteúdo – ou do perfil –, passando a destinar atenção aos protocolos e procedimentos empregados pelas plataformas na tentativa de criar um ambiente digital mais hígido, íntegro e salutar”, propôs Mendonça.

Caio Miachon Tenorio, advogado e sócio no escritório Lee, Brock & Camargo Advogados, considera que ao manter a lógica do artigo 19 – que mantém com o Judiciário a avaliação de casos controversos – o voto de Mendonça “reforça a segurança jurídica de um modelo que prioriza a liberdade de expressão e impõe limites claros à atuação das plataformas — e também do Estado — sobre os discursos online.”

O especialista, no entanto, diz que o mais apropriado seria a aprovação de um novo marco regulatório, que mantenha a regra do artigo 19, mas que uniformize como devem ser os procedimentos para remoção extrajudicial de conteúdo, bem como estabeleça critérios para aferir quando a empresa está sendo omissa na efetivação de seus termos de uso.

Autor da obra “Manual de Tutela à Privacidade na Internet”, Tenorio elogia a exclusão do aplicativos de mensagem – WhatsApp, Telegram e Signal – das obrigações impostas às redes. “Distinção fundamental para proteger direitos fundamentais como o sigilo das comunicações, e para evitar a imposição indevida de deveres de vigilância a aplicações cuja arquitetura técnica e finalidades são distintas.”

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